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Fernando Galvão

Não há inconstitucionalidade formal na Lei 13.491/2017

Professor Associado da Fac. de Direito da UFMG

Juiz Civil - Presidente do Tribunal de Justiça Militar

do Estado de Minas Gerais



A recém publicada Lei 13.491, de 13 de outubro de 2017, trouxe significativa ampliação para a competência criminal da Justiça Militar estadual ao alterar a redação do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar. Com a nova redação, passaram a ser considerados crimes militares em tempo de paz, além dos crimes previstos no Código Penal Militar, todos os crimes previstos na legislação penal e que sejam cometidos nas condições previstas nas alíneas “a” a “e” do referido inciso II, que permaneceram inalteradas. Tais condições, esclareço de plano, identificam a existência de interesse da instituição militar a ser protegido e cabe a lei definir o conteúdo do crime militar.


Após a publicação da nova lei, os estudiosos e operadores do direito militar passaram a publicar suas reflexões iniciais sobre os reflexos da nova lei.


Uma preocupação que se apresentou primeira diz respeito à inconstitucionalidade da Lei 13.491/2017.


Não há dúvidas de que a Constituição da República definiu a competência da Justiça Militar para processar e julgar os crimes militares, delegando a lei a definição de crime militar. No exercício de tal poder, o legislador ordinário alterou a definição do crime militar.


A preocupação, no entanto, se voltou para o processo legislativo que culminou na aprovação da lei. Nesse particular, o jurista e magistrado Rodrigo Foureaux sustenta, em artigo publicado pelo Observatório da Justiça Militar, que há inconstitucionalidade formal na Lei 13.491/2017, porque o processo legislativo teria violado o disposto no art. 65 da CR que exige discussão da matéria nas casas legislativas. Sua conclusão se fundamenta na premissa de que os parlamentares, durante os debates,


“discutiram somente a questão do julgamento dos militares das Forças Armadas nos crimes dolosos contra a vida de civis pela Justiça Militar da União, sendo que a alteração que ocorreu é profundamente significativa e, historicamente, a tendência sempre foi excepcionar e limitar a competência da Justiça Militar. O legislador e o Supremo Tribunal Federal sempre trataram a competência da Justiça Militar como restritiva.”


O jurista chega ao ponto de afirmar que os parlamentares foram induzidos a erro e que houve um contrabando legislativo. Data Máxima vênia, com todo o respeito que o jurista merece, há equívoco em afirmar a ausência de discussão sobre a alteração do conceito de crime militar e, ainda, que ocorreu um contrabando legislativo.


Como tive a oportunidade de acompanhar de perto os últimos momentos dos trabalhos legislativos que culminaram com a alteração do conceito de crime militar, devo fazer alguns esclarecimentos que levam à conclusão oposta.


A alteração da definição de crime militar estava sendo discutida no PL 2014/2003 da Câmara, que teve início no Senado no ano de 2000 com o PLS 132. No Senado, o texto aprovado e encaminhado para a Câmara previa exatamente a alteração do inciso II do art. 9º que agora foi promovida pela Lei 13.491/2017 (veja aqui). Na Câmara, o PL 2014 foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e ainda encontra-se na casa legislativa. A alteração na definição de crime militar que o PL 2014 propunha e acabou por ocorrer por meio de outro projeto foi amplamente discutida, inclusive com a realização de audiência pública na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara, da qual participei e pode ser vista na rede mundial de computadores (parte 1 e parte 2).


O Projeto de Lei nº 5.768 da Câmara, que recebeu o nº 44 no Senado, apenas copiou o que já constava do texto do PL 2014/2003. Portanto, não houve uma inclusão sorrateira de nova redação para o inciso II.


Como esclarece Foureaux, um contrabando legislativo consiste na “inserção, por meio de emenda parlamentar, de assunto diferente do que é tratado na medida provisória que tramita no Congresso Nacional”. Pode-se constatar que não houve inserção de qualquer matéria estranha à discussão: desde o primeiro momento, no ano de 2000, constou a proposta de ampliação do conceito de crime militar que ora nos ocupa a atenção.


No que diz respeito ao caráter temporário da lei, os senadores votaram em 2017 uma lei que trazia restrição temporal que limitava a sua vigência até dezembro de 2016. Como a discussão e votação do projeto no Senado ocorreu no ano de 2017, seria o caso de considerar que o projeto teria perdido o seu objeto ? Afirmar que os senadores, não sabiam o que estavam votando um projeto com restrição temporal já ultrapassada pressupõe uma ingenuidade dos parlamentares que não é admissível. Os senadores sabiam perfeitamente o que estavam votando! Sabiam que se alterassem o projeto levariam a questão novamente ao exame da Câmara e que há urgência em aprovar as disposições do projeto em razão da situação delicada pela qual se encontra a segurança publica no Estado do Rio de Janeiro. Decidiram por aprovar o projeto e por, de fato, obrigar a um veto obrigatório do artigo da temporalidade pelo presidente da República. Se não bastasse o fato de que o projeto continha uma referencia temporal ultrapassada, ainda se apresentava evidente a violação ao disposto no art. 5º, inciso XXXVII, da Constituição da República – que veda a instituição de juízo ou de Tribunal de Exceção. No caso, é manifestamente inconstitucional a instituição de um juízo e um Tribunal para as olimpíadas.


Nesse contexto, o argumento Temer vs Temer, também usado por Foureaux, se mostra incapaz de lastrear a conclusão da inconstitucionalidade da Lei 13.491/2017.


Com razão, o professor Michel Temer sustentou em seu livro “Elementos de Direito Constitucional” que é inconstitucional vetar artigo de lei, por completo, de forma que o projeto de lei venha a se desconfigurar. Contudo, também tem razão o presidente Michel Temer quando entendeu que a orientação não se aplica ao caso específico que lhe foi submetido e vetou o artigo do projeto que fazia restrição temporal para a vigência da lei utilizando-se de referencia já ultrapassada. Não vetar o dispositivo significaria sancionar uma lei completamente incapaz de produzir efeitos. Manter o dispositivo implicaria em uma contradição lógica insuperável: concretizar a manifestação legislativa e, ao mesmo tempo, sancionar uma lei que não pode produzir qualquer efeito jurídico.


É imperioso concluir que, diante da inconstitucionalidade manifesta de instituir-se um juízo das olimpíadas e da contradição lógica estabelecida pela referencia temporal já ultrapassada, só restava uma alternativa ao Presidente da República: vetar o dispositivo inconstitucional e que impedia a eficácia da lei a ser sancionada.


Por todas estas razões, deve-se concluir que não há qualquer inconstitucionalidade no processo legislativo que culminou com a edição da Lei 13.491, de 13 de outubro de 2017.




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