O Código Penal Militar traz diversos delitos que visam resguardar a hierarquia e disciplina, que são os pilares das instituições militares.
O crime de recusa de obediência, desobediência e descumprimento de missão são três crimes que se aproximam, mas devem ser distinguidos caso a caso.
O crime de recusa de obediência consiste em descumprir ordem sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei, regulamento ou instrução.
O crime de desobediência consiste em descumprir ordem legal.
O crime de descumprimento de missão ocorre quando o militar deixa de desempenhar a missão que lhe foi dada.
Nota-se que na recusa de obediência o militar não cumpre ordem de matérias relacionadas ao serviço ou previstas em lei, regulamento ou instrução; enquanto que na desobediência basta descumprir uma ordem legal de um militar. Logo, a desobediência é mais ampla, sendo a recusa de obediência especial em relação ao crime de desobediência. O descumprimento de missão consiste em descumprir uma tarefa específica determinada pelo Comando.
O crime de recusa de obediência tutela a autoridade e disciplina militares, enquanto que o crime de desobediência visa proteger a autoridade da Administração Militar e o descumprimento de missão o serviço e dever militares.
Para que haja o crime de recusa de obediência o autor deve ser militar e ainda possuir relação hierárquica com o superior que dá a ordem; enquanto que no crime de desobediência o autor pode ser civil ou militar e não necessariamente, necessita possuir um vínculo hierárquico. No crime de descumprimento de missão o autor precisa ser militar e como o desempenho da missão é determinado por superiores hierárquicos, necessita possuir vínculo hierárquico com quem determinou a missão.
Doutrina antiga e superada sustentava que a diferença entre os crimes de recusa de obediência e desobediência residiam no comportamento daquele que recebia a ordem. Caso se recusasse a cumprir a ordem de forma comissiva (mediante ação), seria o crime de desobediência, como dizer “não vou cumprir”; caso se recusasse a cumprir a ordem de forma omissiva (deixar de fazer), o crime seria o de recusa de obediência. Como visto, os tipos penais possuem elementos distintos, não sendo a forma como se descumpre a ordem suficiente para distinguir os crimes.
Destaca-se que a ordem a ser cumprida, não necessariamente, tem que se transmitida diretamente pelo Comandante ou autoridade militar, sendo necessária que seja imperativa, certa, expressa, direcionada, ainda que por intermédio de outro militar ou por órgãos administrativos do quartel.
Como forma de facilitar o entendimento, a seguir, cito dez exemplos.
Ex.1: militar que é notificado a comparecer na secretaria do quartel para que tome conhecimento de processo administrativo que pesa em seu desfavor, mas não comparece à secretaria, deixando transcorrer o prazo determinado, comete o crime de recusa de obediência (Recurso em Sentido Estrito n. 7000682-13.2018.7.00.0000 – STM);
Ex.2: militar solicita ao Comandante autorização para folgar em determinado dia, o que não é autorizado, e mesmo assim falta ao serviço, comete o crime de recusa de obediência;
Ex.3: Comandante do turno de serviço determina ao militar que lavre um Boletim de Ocorrência com a tipificação do crime de furto, mas o militar lavra o BO com a tipificação do crime de estelionato ou roubo. Há crime de recusa de obediência;
Ex.4: Superior hierárquico que determina ao militar que se apresente a ele para tratar de assuntos de serviço, mas o militar, simplesmente, deixa de se apresentar, propositalmente. Há crime de recusa de obediência;
Ex.5: militar de serviço no quartel fala para outro não sair com o carro do quartel, pois a CNH estava vencida, tendo o militar descumprido a ordem (Apelação TJM/SP 7.430/17). Há crime de desobediência. Nota-se que a ordem não foi relacionada a matéria de serviço, às funções do militar que recebeu a ordem, nem é necessária que haja vinculação hierárquica;
Ex.6: militar de serviço no quartel recebe ordem do Comandante para que não deixe nenhum outro militar, cujo nome não esteja na lista, entrar no salão da receptação dos convidados, vindo um militar a entrar no salão, mesmo tendo sido advertido de que o Comandante havia proibida a entrada. Há crime de desobediência, pois a ordem não é afeta à matéria de serviço;
Ex.7: um grupo de militares se desloca à Academia de Polícia Militar para se utilizarem da pista de atletismo e da piscina, sendo advertidos por outro militar de que o Comando proibiu o uso naquele dia, tendo o grupo de militares ignorado a ordem do comando transmitida pelo militar de serviço naquele dia. Há crime de desobediência;
Ex.8: alguns militares alojados na Academia de Polícia Militar descumprem ordem do Oficial de Dia para saírem do alojamento e entrarem em forma no pátio do quartel, onde deverão permanecer enquanto for realizada uma inspeção no alojamento. Por não se tratar de ordem relacionada a assunto de serviço, deve-se verificar se esse procedimento adotado pelo Oficial de Dia tem previsão em alguma norma da instituição ou da Academia. Caso haja previsão, haverá o crime de recusa de obediência; caso não haja nenhuma previsão e o Oficial de Dia tenha atuado em razão do dever genérico de fiscalização, haverá o crime de desobediência;
Ex.9: Comando da Unidade expede ordem de serviço para que determinado militar controle e coordene o turno de serviço, devendo empenhas as viaturas em ocorrências e fiscalizar. Durante o turno de serviço, o Comandante da Unidade questiona ao militar coordenador do turno a situação, ocasião em que constata que o militar não tem controle do turno, não sabe quais viaturas estão atendendo ocorrências e onde estão. Há crime de descumprimento de missão (TJM/MG – n. 0000041-15.2015.9.13.0003);
Ex.10: a ausência injustificada do militar nos dias em que havia sido designado para a função específica de comando de patrulhas configura o crime de descumprimento de missão (REsp 1301155-SP).
Por fim, segue tabela comparativa entre os três crimes.
REFERÊNCIAS
DE ASSIS, Jorge César. Comentários ao Código Penal Militar. 8ª ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Juruá Editora, 2018.
NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de Direito Penal Militar. 4ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2014.
ROSSETO, Enio Luiz. Código Penal Militar Comentado. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
Rodrigo Foureaux é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz de Direito do TJAL. Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Mestrando em Direito, Justiça e Desenvolvimento pela Escola de Direito do Brasil. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. Autor do livro “Justiça Militar: Aspectos Gerais e Controversos”. Foi Professor na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Palestrante.