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Adriano Alves-Marreiros

O direito à vida na Constituição com foco específico na questão da pena de morte


1. Introdução


Um dos questionamentos mais polêmicos, tanto quando se discute o Direito à vida quando se discute sobe as penas aplicáveis no Direito Penal é quanto à pena de Morte. Há vários argumentos contra e a favor.


Se procurarmos em nossa Constituição, veremos que ela não é totalmente vedada, existe uma previsão. E em que caso pode, então, se dar essa hipótese? No modo mais extremo a que pode ser submetido um país; a guerra. No mais, é cláusula pétrea que não se pode pois alargar as hipóteses.


É o artigo 5º da Constituição que vai, logo em seu caput, garantir o Direito à Vida:


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


Mas, deve-se dizer que tal direito, como os demais, acaba por não tomar viés absoluto, a começar por dispositivo contido no próprio texto original da Constituição; aliás, no mesmo artigo já citado :


XLVII - não haverá penas:


a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;


Ao mesmo tempo, parece-nos necessário admitir que a CF não classifica a pena de morte como uma pena cruel. Afirmamos isso porque, ao instituir as vedações de penas, as enumera como coisas distintas:


XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;


Também há que se lembrar que as diferentes hipóteses de exclusão de ilicitude, e até das exculpantes previstas na lei abrangem a possibilidade de se matar em determinadas hipóteses, o que acaba por relativizar o direito à vida quando em confronto não com o direito à vida. Passemos a uma análise mais detalhada.



2. O Direito à vida na Constituição com foco específico na questão da pena de morte


2.1. O que seria o caso de guerra declarada e o tempo de guerra?


Explicamos na obra Direito Penal Militar-Teoria Crítica e Prática que a guerra é um fato que ocupa a quase totalidade dos anos da História. Poucos são os períodos de plena paz. Fugiremos, então de maiores digressões filosóficas sobre a guerra, sobre defesa da democracia e da Liberdade e também sobre interesses escusos, vaidade e maldade humanos. Iremos mias diretamente à questão do tempo de guerra no ordenamento jurídico brasileiro


É fato que, , na doutrina em geral, pouca coisa foi escrita sobre o artigo 10 do CPM que trata sobre os crimes militares em tempo de guerra. Seria melhor começar com Sílvio Martins Teixeira que Escreveu obra comentando o Código Penal Militar de 1944, tendo feito parte da comissão que o elaborou como um dos seus mais destacados juristas. Ele lembra que:


Durante a paz preparam-se as forças armadas para a eficiência de suas operações, para o desempenho de finalidade máxima – a defesa da pátria – o que é posto em prática quando começa a guerra”


Note-se que a redação de 1944 foi essencialmente mantida pelo Código Penal Militar de 1969. Sobre aquela redação, também elucidou Sílvio Martins Teixeira:


Isso é especialmente importante porque a experiência e a História demonstram que o raciocínio de guerra, aliás, não só de guerra, mas de qualquer operação real, deve ser formado no tempo de paz: caso contrário, nenhuma eficiência, hierarquia e disciplina haverá. O que também afirmamos em nossa obra que citamos. Assim sendo, qualquer Código Militar deve estar voltado para mostrar a gravidade de certas condutas que o civil, a uma primeira vista, poderia achar irrelevantes, insignificantes. Voltando a Silvio Martins Teixeira, referindo-se ao tempo de guerra:


Subsistem, portanto, nesse período excepcional, todas as leis militares para o tempo de paz, sendo, porém, acrescidas as que são feitas especialmente para o tempo de guerra.


Isso é o que está declarado nas alíneas I e II do artigo ora examinado.


Elencando os consagrados critérios destacados pelos doutrinadores para definir que hipóteses seriam as de crimes militares – ratione loci, ratione personae, ratione materiae, ratione múnus, ratione temporis e ratione legis – estes dois últimos é que prevalecem quando se trata dos crimes em tempo de guerra: na verdade, o penúltimo, pois a lei, que prevalece ao final e é o critério efetivamente adotado pelo legislador, usa o critério ratione temporis para definir os crimes militares em tempo de guerra. Precisamos, pois, saber o que seria o tal tempo de guerra que será o autorizador da hipóteses de pena de morte que estamos discutindo: a única permitida na Constituição.


Fica difícil discordar que, no tempo de guerra sempre ocorrem grandes mudanças e que a própria lei pode ser bastante modificada caso haja uma guerra e também que acaba ocorrendo que penas podem vir a ser mitigadas, como já ocorreu, quando ela cessar.


Aliás, Lobão, ao justificar o porquê de não abordar os crimes em tempo de guerra em seu livro afirma que seriam bastante remotas as possibilidades de o Brasil vir a se empenhar em uma guerra e que, isso ocorrendo, logo haveria novas leis mais adequadas à realidade daquela época específica. Lembra que o ditador da época chegou a criar normas com efeito retroativo (art. 67 do Dec.-lei 4.766/1942: ‘Esta lei retroagirá, em relação aos crimes contra a segurança externa, à data da ruptura de relações diplomáticas com a Alemanha, a Itália e o Japão’)”.


Devemos discordar apenas no que tange a questão da remota possibilidade de guerra, já que as nações que pensaram que a guerra era improvável, quase sempre pagaram caro – a exemplo da Babilônia, conquistada por Ciro.


Mas, enfim, o que seria o tal tempo de guerra? O Código Penal Militar dispõe:


“Tempo de guerra

Art. 15. O tempo de guerra, para os efeitos da aplicação da lei penal militar, começa com a declaração ou o reconhecimento do estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nele estiver compreendido aquele reconhecimento; e termina quando ordenada a cessação das hostilidades”.


Indaga-se: do que dependeria essa declaração ou reconhecimento, estejam eles contidos ou não no decreto de mobilização? A Constituição dispõe:


Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

XIX – declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;”


Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...)

II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;


Percebe-se que Congresso é que autoriza o Presidente da República a declarar guerra e a celebrar a paz. E pelo que já mencionamos, é importante, também, falar do estado de sítio:


Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta”.


Na guerra, estaremos forma permanente de em estado de sítio, que tem características muito específicas, em especial quanto aos direitos e garantias individuais, que estarão sob restrições anormais:


Art. 138. O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.

§ 1.º O estado de sítio, no caso do art. 137, I, não poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior; no do inciso II, poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira.

§ 2.º Solicitada autorização para decretar o estado de sítio durante o recesso parlamentar, o Presidente do Senado Federal, de imediato, convocará extraordinariamente o Congresso Nacional para se reunir dentro de cinco dias, a fim de apreciar o ato.

§ 3.º O Congresso Nacional permanecerá em funcionamento até o término das medidas coercitivas.


Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

I – obrigação de permanência em localidade determinada;

II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;

III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;

IV – suspensão da liberdade de reunião;

V – busca e apreensão em domicílio;

VI – intervenção nas empresas de serviços públicos;

VII – requisição de bens.

Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa.


Ressaltamos que nossa Constituição restringe a declaração de guerra a “caso de agressão estrangeira”. Poder-se-ia questionar se haveria que acontecer ataque ou invasão ou se a mobilização de tropas próximas à fronteira, ou a declaração de guerra por outro país (quase nunca ocorre), por exemplo, poderiam justificar tal declaração. Resta-os reconhecer que isso será uma decisão política que dependerá do Parlamento. Sempre haverá controvérsia. É praticamente certo que, após a guerra, haverá a prestação de contas do executivo que, certamente, será mais dura se o país tiver sido derrotado. Isso está constitucionalmente previsto:


Art. 141. Cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes.


Parágrafo único. Logo que cesse o estado de defesa ou o estado de sítio, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas”.


As consequências serão essencialmente políticas e poderão abranger ou não crimes de responsabilidade, aqui já tratados e “impeachment”, além das penais.



2.2. O que justificaria a violação do Direito à vida com a pena de morte?


Existem muitas colocações de operadores de direito questionando restrições aos direitos dos militares e especificidades do Direito Militar em razão de uma alegada arbitrariedade desses institutos presentes na Constituição e aplicáveis aos militares federais, estaduais e distritais. A hierarquia e a disciplina, no entanto, mais do que bases institucionais das forças militares, são garantias individuais e para a sociedade, como já se formulava nas declarações do século XVIII que deram início à Democracia moderna. A importância dessas garantias é reforçada por sua presença em todas as constituições brasileiras e no direito internacional público — tratados, pactos e convenções – que admitem, expressamente, as restrições aos direitos dos militares, as especificidades do Direito Militar, reconhecendo tal necessidade para garantir o interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias.


No tempo de guerra isso é ainda mais importante, pois a vida de milhões, as liberdades, a soberania de uma país e apropria essência de nação estão ameaçados. É nessas épocas que o descontrole do braço armado do Estado produz, historicamente, as maiores atrocidades: genocídio, estupro, assassinatos generalizados, saques. Sim, muitas vezes eles foram autorizados e até estimulados ou mesmo exigidos por Estados beligerantes, mas ocorrem mesmo quando corretamente proibidos e repudiados, quando se perde o controle. Não é por outro motivo que, apesar de já haver a previsão, no CPM, de um Estado de Necessidade como causa de exclusão de ilicitude, existe um parágrafo bem específico:


Parágrafo único. Não há igualmente crime quando o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, na iminência de perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque.


Ricardo Freitas bem disseca as penas previstas no CPM em nossa obra conjunta. Concordamos em alguns aspectos, discordamos em outros, como deixamos claro nela que, com isso, acaba sendo bastante original. Quando vai definir pena, o colega é bem feliz, quando, após mencionar variados entendimentos, acaba por optar por afirmar que o mal que se impõe ao autor de um delito consistiria “na privação de determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de um fato definido na lei como crime”, recorrendo ao grande Aníbal Bruno. Diz que somente por intermédio de tal conceito é que poderíamos compreender o caráter do mal imposto ao infrator e, então, vai ao ponto que mais nos interessa no presente trabalho: a pena tem como consequência a supressão ou a privação de bens jurídicos, tais como a vida, a integridade física, a liberdade de locomoção, dentre outros.


O artigo 55 do CPM, recepcionado pela atual Constituição, dispõe:



Penas principais


Art. 55. As penas principais são:

a) morte;

b) reclusão;

c) detenção;

d) prisão;

e) impedimento;

f) suspensão do exercício do pôsto, graduação, cargo ou função;

g) reforma.


Ricardo Freitas lembra ainda que “Excepcionando o princípio humanitário, a Constituição Federal admite a pena de morte em caso de guerra declarada no caso de agressão estrangeira, nos termos do art. 84, XIX, do texto constitucional.”. Jorge Alberto Romeiro, importante doutrinador já falecido entende que “a conjugação dos dois mandamentos constitucionais transcritos impõe que se conclua, numa interpretação que há de ser restrita, em se tratando de limitação ao direito à vida, que, atualmente no Brasil, só terá lugar a pena de morte no caso de guerra motivada por agressão estrangeira”. Isso é justamente o que afirmamos aqui. Aliás, no que tange ao próprio texto do CPM, só existe essa previsão para crimes em tempo de guerra.


Ricardo Freitas tem uma posição francamente contrária à pena de morte mesmo em tempo de guerra, que merece análise. Afirma que a pena de morte seria a única pena capital, variando apenas as suas formas de execução, que podem ser mais ou menos cruéis. Lembro que, no Brasil, ela é executada por fuzilamento que, assim seria a menos cruel das hipóteses, instantânea que é e que , como mostramos, a CF não a classifica como cruel. O citado autor mostra, ainda, que tem havido uma tendência abolicionista da pena de morte político-criminal no direito penal militar, ao menos nos Estados europeus da Europa Ocidental: mas reconhecendo que em alguns deles ela persista em tempo de guerra para crimes muito graves, a exemplo da traição, da espionagem etc. Aí já vemos certas contradição do colega, vez que o Brasil também só admite em casos de crimes muito graves.


O autor argumenta que, via de regra, os penalistas do Direito Penal comum se opõem aos do Direito Penal Militar, estes deixando de justificá-la, mas apenas aceitando-a como imposta pela legislação. Ressalva o, já citado acima, Silvio Martins Teixeira que afirma que a pena de morte seria inútil como ameaça e com o insolúvel problema do erro judiciário, mas que defende que “não podia deixar de ser cominada, como foi, para o tempo de guerra, quando, em defesa da pátria se mata o inimigo ou os que em inimigos se transformam, infringindo a lei que tutela o que é necessário à garantia nacional”.


Ricardo confronta esse pensamento com o de Jescheck, que entende que também deveria ser excluída a pena de morte nos estados de exceção e de guerra e que só deveria ser admitida caso houvesse colapso total da ordem pública, exemplificando com um ataque com armas nucleares e se, assim, ela fosse o único meio para possibilitar a sobrevivência de pelo menos uma parte da população dentro do caos geral, mas porém o legislador não teria preocupação em tal hipótese porque, começaria a construção de uma “nova ordem estatal em condições de antemão desconhecidas”.


Aqui também cabe nossa crítica pois, em primeiro lugar, nos parece que Jescheck olvida, em sua obra, a natureza e a realidade da guerra, pois só assim poderia deixar de considerar que, em guerra, o colapso da ordem pública já é parcial nos países envolvidos, ou ao menos na área envolvida e que o colapso total é sempre atual ou iminente.

Ricardo cita ainda MIR PUIG que afirmou que:


Muitos autores que se declaram decididos abolicionistas durante a paz, admitem a necessidade do castigo supremo em tempo de guerra. Argumenta-se frequentemente que outras penas, como as privativas de liberdade, poderiam chegar a representar um privilégio, na medida em que evitariam o perigo de morrer por causa das armas inimigas. Frente a isto cabe opor o seguinte: um exército não deveria basear seu funcionamento na mera intimidação de seus soldados. É razoável supor que, em caso de guerra lícita (uma agressão militar grave e manifesta), o povo acudiria na defesa do país sem necessidade da ameaça da pena de morte. Para a maioria, bastaria, sem dúvida, a forte pressão social que em tais casos se produz, confirmada por uma pena grave de privação da liberdade – cuja duração pode ser muito mais larga que a de guerra –. Se isto não for suficiente e a deserção se generalizasse a ponto de comprometer a eficácia do exército, seguramente haveria de questionar se existe um grau suficiente de aceitação da guerra. Por outro lado, uma coisa é o Estado levar seus homens a ações militares arriscadas, lícitas se não são necessárias para a defesa, e outra, muito diferente, que o mesmo prive friamente a vida aos seus cidadãos. Os argumentos relacionados à exigência de humanidade que se opõem à pena de morte em um Estado Social e Democrático de Direitos respeitador da dignidade de todos os homens há de valer também em caso de guerra, se é que esta não tem de ser somente eficaz, mas também justa. Se a pena de morte é inumana, não deixará de sê-lo porque tem lugar em tempo de guerra.


Parece-nos que o autor esquece a vida como ela é (rodriguiana) e opta por acreditar num mundo com unicórnios, arco íris permanentes e num país das maravilhas como o de Carrol, como gosta de ironizar Antônio Sérgio Cordeiro, Professor, Promotor e escritos do MPMT. ( Se bem que “cortem-lhe a cabeça” pareça incluir a pena de morte até lá). A natureza humana, melhor dissecada por Maquiavel é sim aquela para a qual, em regra, é melhor ser temido que ser amado, já que o temor é antídoto bem mais eficiente para a traição. Soa evidente que podendo optar entre a morte provável dia após dia e penas meramente restritivas de liberdade (ainda mais, falando do nosso caso, com a tradição do Brasil de relativizar tudo com indultos, regimes com saídas, saidinhas e outros), muitas vezes o soldado irá optar pela segunda, que lhe dará até uma proteção à vida que os não transgressores não terão. Também esquece o autor que a atuação dos Exércitos éa última proteção de populações inteiras e que certas condutas, justamente as que são penalizadas com pena de morte, levarão ao enfraquecimento do esforço de guerra e poderá levar morte e destruição não só a tropas como a civis. A pena de morte acaba garantindo vidas e áreas inteiras. Pode-se até afirmar que está no lugar certo, ao ser elencada entre os direitos e garantias individuais: não é uma exceção a estas, mas uma delas. Aliás, as próprias tropas sem controle poderão agir de forma cruel contra civis e prisioneiros se não forem intimidados.


Bem ilustrativo sobre isso, não apenas a opinião de juristas, mas a de um dos maiores escritores do Brasil e do mundo em um de seus mais felizes momentos de humor realista, Millôr Fernandes:


Nelson:

A Inglaterra espera que cada um cumpra o seu dever.

Eu (marinheiro)

Almirante Nelson, o senhor vai me desculpar, mas uma nação rica e poderosa como a Inglaterra não espera, na verdade, que cada um cumpra o seu dever. Ela já tem bastante experiência para saber que o homem gosta de sombra e água fresca. É para isso que se fizeram leis coibitivas e coercitivas, a fim de obrigar todo cidadão a fazer as coisas que lhe são impostas e a não fazer as que não lhe são permitidas. Não fez quando devia ou fez quando não devia, pau nele, cadeia nele, pedra nele, forca nele. Não, General, a nossa grande Inglaterra não espera que cada um cumpra o seu dever. Obriga!


A Inglaterra, com toda a sua antiquíssima experiência sabe disso: aprendamos com ela.


Como a proposta deste trabalho não é da de um longo artigo, não queremos nos alongar, pois, mais, mas trago aqui um caso em que Ricardo e eu, na mesma obra comentamos com uma visão diametralmente oposta e que mostra os horrores da guerra que precisam ser coibidos e que a pena de morte pode auxiliar nisso:


No dia 09.01.1945, dois soldados brasileiros, armados com metralhadoras, estupraram uma adolescente de quinze anos no interior de sua residência e mataram um de seus familiares quando este tentou impedir a execução do crime. No dia 07.02.1945, os dois foram condenados à pena de morte pela Justiça Militar. Acórdão prolatado no dia 07.03.1945 pelo CSJM, no Rio de Janeiro, confirmou a condenação, tornando-a definitiva. Getúlio Vargas, no entanto, comutou a pena de morte que lhes foi imposta em pena privativa de liberdade consistente em 30 anos de reclusão. Posteriormente, ambos foram beneficiados por uma nova comutação que redundou na redução de suas penas para 06 anos de reclusão. Tal fato constitui o exemplo historicamente mais recente de comutação pelo Presidente da República da pena de morte aplicada por crime militar cometido em tempo de guerra.


Cremos que só mesmo um ditador sanguinário, que pouco se importa com a vida alheia faria uma comutação como essa. O próprio Marechal da FEB declarou que, se soubesse que poderia mandar executar naquelas condições, o teria feito, indignado com a atitude do ditador do Brasil. Cometer um crime desse nojento, asqueroso, de lesa-humanidade, cruel, degradante e cumprir 6 anos de pena é impunidade, mostra que há uma Cultura da Impunidade bem antiga no Brasil. A pena de morte evitaria outros casos? Ah, saber que encerrada a guerra e contrariando o espírito da lei (que sequer é excepcional ou temporária, mas tem vigência antes, durante e depois da guerra) é um estímulo para, em um próximo conflito as pessoas confiarem que não haverá a punição e assim estarmos diante de um “liberou geral”. Pior, um fato desses acaba sendo usado como argumento contra a pena de morte, sendo elogiado como acerto em vez de repudiado como equívoco terrível. Terminando com a refutação que fizemos na mesma obra:


Enfim, dois militares usam do poder das armas para invadirem uma casa civil, expulsam a família, estupram uma menina de quinze anos e matam um familiar que retornava para a casa e terminam cumprindo 6 anos de reclusão. Não dá para discordar muito do Marechal.111 E o pior é que hoje não seria muito diferente. O ”Coitadismo Penal” é cada vez maior no Brasil.

O memorial nos mostra, ainda, que não foi cometido o crime de “deserção para o inimigo”, mencionado no texto do indulto, e que por essa razão, militares que praticaram crime de “deserção na presença do inimigo” foram beneficiados com a extinção da punibilidade.

Comentam os autores, que a Justiça Militar expedicionária não apenas julgou mas teria sido julgada. O General Cidade, teria reconhecido que sua existência tornara-se desnecessária em razão do indulto concedido à esmagadora maioria dos condenados, admitido que nas decisões – “o coração predominou sempre que isso se podia dar sem que a lei fosse ferida”, exemplificando que o tribunal condenara à morte apenas dois criminosos, “embora houvesse muitas oportunidades para aplicar a pena máxima”. Na opinião do General, no futuro isso “espantará os criminalistas dos outros Exércitos em luta”. O General comparou, ainda, a atuação da Justiça castrense brasileira com a americana recordando que, só em uma prisão, havia 16 soldados americanos que aguardavam a execução, e concluindo (enigmaticamente na opinião dos autores): “São as contingências da guerra e não as más entranhas dos juízes que ditam as sentenças mais severas, o que parece que no Brasil não se compreende bem”. Ao contrário do memorial, cremos ter entendido bem, pois fazemos a mesma crítica muitos julgadores brasileiros. Quem é bom ou mau e determina condenação ou pena é o réu, sua conduta e a situação em que foi praticada. O julgador não tem que ser bom ou mau e não pode fazer filantropia com o bem público querendo ser bonzinho ao arrepio da lei e/ou da justiça. Mas o Brasil é um país em que as vítimas quase sempre são tratadas como réus, enquanto os réus são tratados como vítimas. Já se vão quase 70 anos e continuamos a ver absurdos semelhantes aos destas comutações.



3. Conclusão


Vimos, acima , que existe previsão da pena de morte em nosso ordenamento jurídico e que ela é apenas, para o tempo de guerra.


O tempo de guerra é o mais terrível da humanidade, aquele em que é necessário maior controle sobre os indivíduos, em especial os militares. Se motivos de guerra podem ser justos ou não, sempre há necessidade de evitar atrocidades que sempre são maiores e mais terríveis nesses tempos, e que, se em tempo de paz as pessoas, muitas vezes, já cometem crimes terríveis, imaginem com as oportunidade maléficas que a guerra proporciona. Se a natureza humana já permite atrocidades em tempo de paz, que dirá no de guerra?


E quando à própria hierarquia e disciplina e controle que precisamos ter sobre as tropas? Já afirmamos muitas vezes que elas são garantias individuais e para a Sociedade como um todo e aqui isso se confirma. Os Estados que mais frequentemente estão em guerra admitem a pena de morte. Isso só confirma que a experiência comprova a necessidade da pena capital.


E é justamente nos tempos mais terríveis que a proibição da proteção deficiente deve estar mais efetivada. A pena capital contribui em muito para tal proteção. A pena de morte em tempo de guerra é verdadeira garantia: individual, para a Sociedade e, inclusive, para soldados, prisioneiros e civis dos países inimigos no confronto. É uma proteção à Humanidade.



Adriano Alves-Marreiros é Promotor de Justiça Militar, Especialista em Direito Penal Militar e Processo Penal Militar e um dos autores da obra Direito Penal Militar - Teoria Crítica & Prática.

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