No último dia 06 de junho do corrente, o Conselho Nacional de Justiça, em decisão da lavra do eminente Conselheiro Valdetário de Andrade Monteiro, fez publicar a decisão no Pedido de Providências n.° 2541-69/2019, cuja a ementa tem a seguinte redação:
EMENTA: JUSTIÇA MILITAR DOS ESTADOS. DENOMINAÇÃO DE JUÍZES MILITARES DE SEGUNDA INSTÂNCIA COMO “DESEMBARGADORES”. POSSIBILIDADE DE REGULAMENTAÇÃO POR ATO PRÓPRIO DOS TRIBUNAIS CASTRENSES. PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
O pedido foi protocolizado pelo Presidente do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, Senhor Coronel Paulo Roberto Mendes Rodrigues, após ter sido instado a publicar resolução modificando a denominação dos magistrados do Tribunal[1], assim como já o fizera os demais tribunais de segunda instância do País. O pedido tinha a pretensão de que o próprio CNJ editasse resolução procedendo à padronização da nomenclatura, sendo que, como se percebe da ementa acima transcrita, entendeu aquele egrégio Conselho Nacional de Justiça não ser sua essa atribuição, mas dos próprios tribunais castrenses em editar o ato específico para produzir a pretendida padronização.
No presente caso, entendeu-se que certos fatores diferenciais entre a Justiça Castrense e as demais não poderiam servir como escolha para agravo à isonomia, já que não poderiam ser eleitas como matriz do discrímen determinadas características e situações próprias da Justiça Militar, as quais são insuscetíveis de ser objeto de escolha para traduzirem diferenciação sem que estivessem ofendendo a regra da igualdade.
Entendeu-se que nenhum fator de cunho objetivo poderia ser escolhido aleatoriamente, isto é, sem a devida pertinência lógica com a diferenciação procedida pela diferença de nomenclatura dos magistrados da segunda instância da Justiça Militar dos Estados para com os demais tribunais de segunda instância do País[2].
Alguns argumentos foram citados, a fim de demonstrar que em todos os seguimentos do Poder Judiciário, inclusive na Justiça Militar, há uma nítida intenção de padronização das nomenclaturas dos cargos desempenhados pelos Juízes, senão vejamos:
Nos tribunais superiores, a teor dos artigos 104, 111-A, 119 e 123, os membros do STJ, TST, TSE e STM são tratados como “Ministros”, não obstante o fato de, no TSE, a Constituição falar em Juízes do TSE, a tradição nos mostra que todos os integrantes são tratados por essa nomenclatura. Há, assim, padronização no tratamento (nomenclatura) de tais cargos.
No âmbito dos Tribunais Regionais Federais e Regionais do Trabalho, nada obstante a Constituição Federal falar em “Juízes” desses tribunais, houve modificação dessa nomenclatura para diferenciar dos “Juízes” Federais da primeira instância.
Alguns Tribunais o fizeram por alteração no seu Regimento Interno, como o TRF-4, por exemplo, a teor do Assento Regimental n.° 34, de 27 de agosto de 2001, adotando a nomenclatura de “Desembargador Federal”, visando à diferenciação dos cargos de “Juízes Federais” da primeira instância. Outros o fizeram por Resolução como, por exemplo, o Tribunal Regional Federal do Trabalho da 18ª Região, também visando à diferenciação dos cargos de “Juízes do Trabalho” da primeira instância, verbis:
- RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 63/2006
Pleno do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 18ª
Região
Altera de "Juiz do Tribunal" para "Desembargador Federal
do Trabalho" o título dos membros do Tribunal Regional
do Trabalho da 18ª Região.
CONSIDERANDO que ao se atribuir o título de Desembar-
gador Federal do Trabalho aos magistrados do Tribunal
Regional do Trabalho da 18ª Região, estar-se-á afastando
equívocos e evitando erros que habitualmente ocorrem,
sejam de natureza funcional, hierárquica, protocolar ou
social;
CONSIDERANDO que Tribunais Regionais do Trabalho da
1ª, 5ª, 7ª, 8ª, 11ª, 16ª, 20ª, 21ª e 22ª Regiões, bem como to-
dos os Tribunais Regionais Federais já adotaram o título
de Desembargador Federal para denominar seus respecti-
vos magistrados;
No âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados não há essa necessidade de alteração da nomenclatura haja vista que, tradicionalmente, as Constituições do Brasil destinaram essa nomenclatura aos Juízes da segunda instância das Cortes Estaduais.
Na primeira instância, também se verifica uma tendência de padronização das nomenclaturas. Nas Justiças Estadual, Federal e do Trabalho se utiliza o termo “Juiz de Direito, Juiz Federal e Juiz do Trabalho.
Na Justiça Militar Estadual, a Emenda Constitucional n.° 45, de 2004, igualmente padronizou a nomenclatura do cargo na primeira instância, que anteriormente era o de “Juiz-Auditor” para o de “Juiz de Direito do Juízo Militar”, consoante se depreende do §5° do artigo 124 da CF/88, à similitude dos cargos de juiz da primeira instância da Justiça Estadual Comum.
Na Justiça Militar da União, a recente Lei Federal n.° 13.774, de 2018, modificou o artigo 1° da Lei Federal n.° 8.457/92 (Lei de Organização Judiciária Militar da União) para modificar o inciso IV, atribuindo ao antigo cargo de “Juiz-Auditor” a novel nomenclatura de “Juiz Federal da Justiça Militar”, à similitude dos cargos de juiz da primeira instância da Justiça Federal.
No caso específico da Justiça Militar Estadual, particularmente no Estado do Rio Grande do Sul, a nomenclatura de “Juiz do Tribunal” Militar está prevista no artigo 232 do Código de Organização Judiciária Estadual, Lei Estadual n.° 7.356 que data de 1980. À época, havia na organização judiciária do Estado do Rio Grande do Sul o “Tribunal de Alçada”, cujo cargo dos magistrados era denominado “Juiz de Alçada”.
Os Juízes do Tribunal Militar tinham vantagens, direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos iguais aos dos Juízes do Tribunal de Alçada, a teor do §5° do artigo 104 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, vigente à época.
Todavia, em 1998, a Lei Estadual n.° 11.133/98, extinguiu o Tribunal de Alçada, elevando seus membros ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça. A Constituição Estadual do Rio Grande do Sul foi então modificada pela Emenda Constitucional n.° 22/97, para prever os Juízes do Tribunal de Justiça Militar do Estado tem vencimento, vantagens, direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos iguais aos Desembargadores do Tribunal de Justiça.
Entretanto, não houve a modificação da nomenclatura dos cargos para “Desembargador” porque, à época, não havia a tendência de padronização dos cargos, tanto na primeira instância como no âmbito dos tribunais de segunda instância, como se observa no momento atual.
Além disso, nota-se que tanto a Lei Federal n.° 8.457/92, no seu artigo 16, incisos I e II, quanto a Lei Estadual n.° 7.356/80, no seu artigo 247, §1°, quando tratam da composição dos Conselhos Permanente e Especial de Justiça, destinam a nomenclatura de “Juiz Militar” para os Oficiais integrantes de tais conselhos, ensejando confusão, notadamente entre operadores do direito, jurisdicionados e sociedade em geral quanto à posição de cada julgador na hierarquia da Justiça Militar, causando, não raras vezes, embaraços também de ordem protocolar.
Importante referir que quando da modificação da nomenclatura dos cargos de “Juiz de Tribunal” para “Desembargador Federal ou do Trabalho”, nos respectivos tribunais, houve representação ao Conselho Nacional de Justiça para instauração de controle administrativo, sendo que este Órgão manteve a nomenclatura adotada nos Tribunais Regionais Federais e do Trabalho, recomendando gestões junto a Câmara dos Deputados para a aprovação da PEC n.° 358/2005, verbis:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO 532
Conselho Nacional de Justiça
Processo Eletrônico 200930000000429
Requerente: Luiz Antonio Ferreira Pacheco da Costa
Requerido: Tribunal Regional do Trabalho 18ª Região
Conselheiro-Relator: Min. IVES GANDRA
DENOMINAÇÃO DE JUÍZES FEDERAIS E DO TRABALHO DE 2ª INSTÂNCIA COMO “DESEMBARGADORES” – ILEGALIDADE RECONHECIDA, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE – RECOMENDAÇÃO DE REMESSA DA MATÉRIA À COMISSÃO DE RELAÇÃO INSTITUCIONAL E COMUNICAÇÃO DO CNJ – GESTÕES PARA APROVAÇÃO RÁPIDA DA PEC SOBRE A MATÉRIA. Em que pese a Constituição Federal e a legislação ordinária não conferir aos juízes federais e do trabalho de 2ª instância a denominação de “desembargadores”, exclusiva dos magistrados estaduais de 2º grau, a generalização do uso do título, com vistas à uniformização vocabular de tratamento dos integrantes de tribunais de 2ª instância, somada ao fato de que tramita, na Câmara dos Deputados, PEC já aprovada pelo Senado Federal, versando sobre a questão, recomendam que o reconhecimento da ilegalidade, “in casu”, não se faça com a pronúncia da nulidade dos atos que promoveram administrativamente a mudança designativa, de modo a evitar gastos desnecessários com confecção de novas placas e impressão de papéis e documentos, dada a possibilidade de aprovação da PEC já referida, determinando-se o encaminhamento da matéria à Comissão de Relação Institucional e Comunicação deste Conselho, para que promova gestões junto à Câmara dos Deputados, visando a uma rápida aprovação da mencionada PEC.
Procedimento de controle administrativo acolhido em parte.
“...Até o momento não foi aprovada pelo Congresso Nacional a PEC que trata da designação de juízes de 2ª instância como “desembargadores..”
“...recomenda-se o encaminhamento da matéria à Comissão de Relação Institucional e Comunicação deste Conselho, para que promova gestões junto à Câmara dos Deputados, visando a uma rápida aprovação da PEC sobre os tópicos remanescentes da Reforma do Judiciário...”
Dessarte, aquilo que era exceção (nomenclatura de “Desembargador”, reservada apenas aos tribunais estaduais) virou regra; e a regra (nomenclatura de “Juiz de Tribunal”) virou exceção, pois apenas os Tribunais Militares Estaduais ainda detinham essa nomenclatura nos cargos de juízes de segunda instância, sendo importante lembrar que a denominação “Desembargador”, acolhida pelo direito brasileiro, advém da tradição portuguesa de assim tratar os juízes da segunda instância dos tribunais.
No âmbito do CNJ, em todas as informações solicitadas aos tribunais e nos programas eletrônicos do “Justiça em Números”, já não havia a menção ao cargo de “Juiz de Tribunal”; todos já são tratados por “Desembargadores”.
No Superior Tribunal de Justiça, como é cediço, os Desembargadores convocados são tratados protocolarmente como “Ministros”, evidenciando o tratamento igualitário àqueles que estão em situação de igualdade.
O mesmo ocorre no Tribunal de Justiça de São Paulo em que os Juízes de Direito convocados para atuar no tribunal têm tratamento protocolar igual aos destinados aos Desembargadores, verbis:
PROVIMENTO CSM Nº 2.376/2016
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Dispõe sobre o tratamento a ser dispensado aos Juízes Substitutos em Segundo Grau
RESOLVE:
Artigo 1º - Os Juízes Substitutos em Segundo Grau gozarão de prerrogativas similares àquelas conferidas aos Desembargadores, facultada sua identificação como Desembargadores nas sessões, votos e decisões lançadas em processos judiciais, bem como no sistema digitalizado de tramitação de processos e quaisquer outros atos efetivados no exercício da judicatura.
Ainda, no Superior Tribunal de Justiça, quando de seus julgados, os Juízes dos Tribunais Militares não raramente são tratados como desembargadores, consoante se depreende de vários acórdãos daquela Corte, como por exemplo no Agravo em Recurso Especial – AREsp n.° 1.247.654/SP, cuja relatoria coube à Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
No mesmo diapasão, é a forma de tratamento destinada a todos os juízes de tribunais de segunda instância na Minuta de Anteprojeto do Estatuto da Magistratura, ora em desenvolvimento no Supremo Tribunal Federal[3], evidenciando tendência de padronização na nomenclatura dos cargos do Poder Judiciário Brasileiro. Segundo esta minuta, os membros dos tribunais regionais e locais terão o título de Desembargador, verbis:
Art. 18. Os membros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral, do Superior Tribunal Militar e do Tribunal Superior do Trabalho têm o título de Ministro.
§1° Os membros dos tribunais regionais e locais terão o título de Desembargador.
Se até mesmo os Juízes de Direito convocados para atuar em tribunais, assim como os Desembargadores convocados para atuar no STJ, têm tratamento protocolar destinado aos membros daquelas Cortes, se afigurava razoável, por tudo o que foi visto acima, que se concedesse o mesmo tratamento protocolar destinados aos tribunais de segunda instância, aos Juízes dos Tribunais Militares.
Recentemente, a Lei Federal n.° 13.105/2015 (Código de Processo Civil), aplicável à Justiça Militar dos Estados por foça da EC n.° 45/2004, preconizou, no artigo 454, que trata das testemunhas com prerrogativa de serem inquiridas em sua residência ou onde exercem sua função, no inciso X, o seguinte:
X- os desembargadores dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais Regionais Eleitorais e os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal;
Resta claro que a norma federal reconhece a padronização de nomenclatura de cargos no Poder Judiciário Brasileiro, conforme exposto acima. Quando a lei processual civil fala em “desembargadores dos Tribunais de Justiça”, por certo está se referindo, no caso dos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, também aos Tribunais de Justiça Militar, pois nesses Estados existem mais de um tribunal de justiça.
A roborar esta interpretação, atente-se para o que dispõe a Lei Complementar n.° 35/79 (LOMAN) em seu artigo 18:
Art. 18 – São órgãos da Justiça Militar estadual os Tribunais de Justiça e os Conselhos de Justiça, cuja composição, organização e competência são definidos na Constituição e na lei.
Interpretar o artigo 454, X, do CPC de forma diferente seria dizer que um Procurador-Geral de um Município do interior de Estado (Art. 454, V, CPC) teria prerrogativa não alcançada aos membros dos Tribunais de Justiça Militar (por não serem desembagadores), o que estaria a ferir de morte o princípio da igualdade.
Ainda no CPC/2015, reforçando a tese de que todos os membros de tribunais no País são “desembargadores”, o artigo 958 assim estabelece:
Art. 958 – No conflito que envolva órgãos fracionários dos tribunais, desembargadores e juízes em exercício no tribunal, observar-se-á o que dispuser o regimento interno do tribunal.
Portanto, sedimentado está, inclusive em lei federal (que tem o condão de revogar a nomenclatura estabelecida no COJE, por ser com ela incompatível) que o título destinado aos cargos dos juízes integrantes de cortes de apelação do País é o de “Desembargador”.
Com isso, como externado na Resolução 263/2006, do TRT/18, acima citada, estar-se-á afastando equívocos e evitando erros que habitualmente ocorrem, sejam de natureza funcional, hierárquica, protocolar ou social.
No caso específico do Rio Grande do Sul, que originou o pedido de providências junto ao CNJ, foi lembrado que a Constituição Estadual do Rio Grande do Sul estabelece, como já foi visto, em seu artigo 104, §5°, que os Juízes (latu sensu) do Tribunal Militar do Estado terão vencimento, vantagens, direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos iguais aos Desembargadores do Tribunal de Justiça, sendo a Constituição Estadual norma hierarquicamente superior à Lei Estadual n.° 7.356/1980 (COJE), que em seu artigo 232, dá a nomenclatura de “Juiz Militar e Juiz Civil” (strictu sensu), conforme a origem do magistrado, aos Juízes (latu sensu) do Tribunal Militar do Estado.
A referida decisão do Conselho Nacional de Justiça valoriza a Justiça Militar Estadual[4], assim como já o fez o Congresso Nacional com a recente edição da Lei Federal n.° 13.491/17, a qual ampliou os tipos penais considerados como “crimes militares” em tempo de paz, aperfeiçoando a prestação jurisdicional militar rápida e eficiente.
Amilcar Fagundes Freitas Macedo é Desembargador Militar do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, ex-Promotor de Justiça do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, ex-Vice-Presidente da Fundação Escola Superior do Ministério Público do RS, ex-Diretor Jurídico da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Mestre em Direito do Estado e Especialista em Ciências Criminais.
NOTAS
[1] Trata-se do Ofício n.° 125/GAB-511, datado de 27 de setembro de 2018, assinado pelo então Deputado Federal Alberto Fraga, Presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública, o qual noticiou que aquele órgão estaria apresentando, no momento devido, correção redacional à PEC n.° 358/2005 que, dentre outras alterações na Constituição Federal, tem o intento de padronizar a nomenclatura dos magistrados de segunda instância dos tribunais pátrios.
[2] Nesse sentido, consultar MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª. edição, 25ª. tiragem, 2017, Editora Malheiros, p. 18.
[3] Publicado no site da Revista Conjur: https://www.conjur.com.br/dl/estatuto-magistratura-juizes-loman-stf.pdf
[4] O Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul alterou a denominação de seus membros para “Desembargador Militar”, por intermédio da Resolução 232/2019.