top of page
Herbert Saavedra

Sistema bifásico para aferição da pena nos procedimentos disciplinares da Polícia Militar do Estado

1. Introdução



O procedimento disciplinar, na Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), é uma peça inquisitória administrativa, com dupla finalidade, a primeira na procura da verdade real, e a segunda na manutenção da disciplina pela responsabilização do policial, no caso de eclosão, no ambiente militar ou fora dele, de fato que esteja elencado no Regulamento Disciplinar como conduta transgressiva, o qual, ao término, pode culminar na punição disciplinar ao transgressor ou noutra medida que o isente de pena, quer pela inexistência do fato, quer pela retaguarda de uma causa de justificação.


As polícias militares dos Estados são instituições auxiliares e reservas do Exército Brasileiro, organizadas com supedâneo nos princípios da hierarquia e disciplina militares, possuindo o múnus constitucional, sob o texto do art. 142 da Lei Fundamental, de “preservação da ordem pública” por meio da “polícia ostensiva” e também com mister de serviços atinentes à Defesa Civil, para os corpos de bombeiros. Destarte, essas organizações têm a necessidade de permanecer sob constante vigilância dentro do aspecto disciplinar-hierárquico, que são princípios de constituição das Forças Armadas e de suas forças auxiliares.


Para a fiscalização da atividade interna, além dos órgãos de controle externo como o Ministério Público e as Ouvidorias das Polícias, existe estrutura própria, em cada uma dessas organizações existentes nos entes federativos (Estados e Distrito Federal), que faz o trabalho da Polícia Judiciária Militar, tanto para a apuração dos mais intricados crimes, mediante a atuação realizada com base no Decreto-Lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969, o Código de Processo Penal Militar, como aos mais elementares casos disciplinares [2]. Tal estrutura possui as Seções e Setores de Polícia Judiciária Militar e Disciplina (PJMD).


No caso específico da seara administrativa, o mecanismo de fiscalização se dá, em regra, pela elaboração de procedimentos disciplinares mais simples, para apuração das condutas desconformes cometidas pela tropa regular.


A presidência e a análise do mérito são procedidas por uma autoridade, normalmente no posto de Capitão de Polícia Militar, que, por intermédio de seu setor específico de PJMD, após organização do feito, deverá analisar o conteúdo com base em regramento próprio e decidir a aplicação da sanção correspondente, ou, ainda, a não aplicação de sanção, com base em elementos justificadores.


As corporações também possuem bancos de dados de análise desses resultados, com percentual de punições, controle dos comportamentos dos policiais e critérios para demonstrar o moral disciplinar da tropa, além de um sistema próprio de avaliação de desempenho com estipulação de metas, dentre elas a de não se permanecer por longo período em níveis baixos de comportamento, fomentando, assim, a autodisciplina e a correção de atitudes.


No Estado de São Paulo, em termos de legislação específica, existe a Lei Complementar n° 893, de 09 de março de 2001, que instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar e, normatizando o rito do Procedimento Disciplinar, a Portaria do Comandante Geral CORREGPM-1/360/13, publicada no Boletim Geral PM 211, de 6 de novembro de 2013, intitulada Procedimento Disciplinar no Âmbito da Polícia Militar do Estado de São Paulo.


Sobredita Portaria visou à celeridade e economia processuais de tais feitos administrativos, entretanto, não descurou da tutela aos preceitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório, devidos ao acusado.


Todavia, as normas existentes se limitam a descrever a gravidade das faltas disciplinares como leve, média e grave, e de ponderar uma possibilidade de pena administrativa privativa de liberdade que varia de um a trinta dias, sem, porém, identificar qualquer regramento mais detalhado, senão as circunstâncias atenuantes e agravantes, em linhas gerais.


Foi a partir desse ambiente que se justificou o interesse por investigar a aplicação das sanções disciplinares acima classificadas e, diante da inexistência de critérios específicos e padronizados de aferição, discutir a possibilidade de uso subsidiário do Código de Processo Penal e Código de Processo Penal Militar, por intermédio do sistema trifásico para aplicação de penas criminais. Considera-se matéria de singular importância para o Direito Militar num sentido lato, em especial ao Direito Administrativo e, no sentido mais estrito, ao próprio policial militar, já que está sujeito constantemente ao cumprimento de regras de conduta, as quais, inobservadas, conduzem à sua responsabilização decorrente.


Quanto aos objetivos metodológicos do artigo científico, o objetivo geral a ser alcançado neste trabalho é apresentar uma proposta de aplicação de um sistema trifásico de mensuração do quantum da pena administrativa de permanência ou detenção, que são privativas de liberdade dos policiais militares.


Os objetivos específicos pretendidos são:


a) análise de resultados de procedimentos disciplinares da Polícia Militar do Estado de São Paulo;

b) diagnose da observância a ritos específicos, quais são eles e como se atingiu o quantum da pena por parte da autoridade disciplinar.


No tocante ao problema, a história da Força Pública bandeirante demonstrou, ao longo do tempo, que, até a década de 1980, as faltas disciplinares tinham rito que se limitava à apresentação, em regra pelo superior hierárquico, por escrito e de forma concisa e precisa, de uma transgressão disciplinar cometida por subordinado. A partir deste comunicado formal, o acusado informava sobre sua conduta à autoridade com poder punitivo e, em seguida, com base nesses dois documentos, unicamente, essa autoridade firmava a decisão final, de arquivamento ou de punição ao possível faltoso. Ocorre que, com advento da Constituição da República, em 1988, os preceitos da ampla defesa e do contraditório foram agregados ao bojo do Direito Administrativo, não somente nos processos regulares demissórios, mas também nos procedimentos apuratórios das faltas disciplinares mais simples, como “atraso para solenidade” e “uso incorreto de insígnias”.


Destarte, emerge a seguinte problemática:


a)existe padrão estabelecido pela Polícia Militar para aferição da pena no procedimento disciplinar?

b) possível falta de padronização pode gerar injustiças, com tratamentos diferenciados aos policiais militares dos 645 municípios do Estado de São Paulo?


Pode-se delimitar no campo hipotético duas premissas, a primeira que a Polícia Militar possui padrão procedimental e a segunda que não possui. Tais respostas emergiram a partir da pesquisa literária realizada, bem como da análise dos procedimentos, elegidos a partir de unidades operacionais da capital paulista.


Quanto à metodologia científica, foi utilizado o método de abordagem dialético, com embasamento teórico na revisão documental, para a análise do contexto, mediante uma pesquisa de caráter diagnóstico e descritivo.


Lakatos (2003, p. 106-225) leciona que tal metodologia “[...] penetra o mundo dos fenômenos através de sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade” e a revisão de bibliografia, mesmo para pesquisas exploratórias “[...] em um dado local, alguém ou um grupo, em algum lugar, já deve ter feito pesquisas iguais ou semelhantes, ou mesmo complementares de certos aspectos da pesquisa pretendida.”


A finalidade teve abordagem qualitativa, verificando-se e analisando-se a pena aplicada a alguns procedimentos disciplinares verdadeiros, com o cuidado de suprimir os personagens a ele atrelados (autoridade instauradora, acusados, testemunhas, partes do procedimento, datas e locais, muito embora tais peças, quando direcionadas às praças da Corporação – graduações que vão do soldado ao subtenente – tenham o caráter ostensivo).


Com base nessas análises, verificou-se particularmente a questão do mérito, considerando-se o conjunto probatório e o equilíbrio, o instituto de paridade de armas e demais documentos comprovantes da existência da falta, buscando-se comparar casos similares com penas diferenciadas.


A metodologia empregada baseou-se no suporte teórico alcançado a partir de pesquisa descritiva, permitindo dar o enfoque conceitual, pragmático e mais atualizado o possível ao assunto objeto do trabalho.


Finalmente, o trabalho foi organizado nos seguintes capítulos, excetuada a Introdução, na qual foram cumpridos os critérios técnicos de apresentação, objetivos geral e específicos, justificativa e problemática.


Capítulo 2 - Procedimento Disciplinar, seção que versou sobre os tópicos conceituais e teóricos dessa peça apuratória e a legislação concernente, com mais especificidade no Estado de São Paulo, elegido como teatro geográfico de pesquisa;


Capítulo 3 – Rito e aferição da sanção administrativa, seção em que se buscou apresentar o rito utilizado para o processamento da peça procedimental de apuração das transgressões disciplinares, a ouvida de testemunhas, apresentação de provas técnicas e a decisão da autoridade disciplinar, superior hierárquico com poder punitivo, com os mecanismos existentes atualmente para aferir a sanção.


Capítulo 4 - Análise de procedimentos, seção reservada à apresentação dos casos disciplinares que coadunam com o escopo deste trabalho, bem como demais aspectos inerentes ao assunto em discussão.


Capítulo 5 - Considerações finais, apresentou os resultados metodológicos e a conclusão do artigo científico.



2. Procedimento disciplinar



Na acepção mais abrangente, o Direito Administrativo Disciplinar é a seara do Direito que regula os atos dos servidores públicos civis e militares. Sem aprofundamento, neste momento, no teor do referido termo, trata-se da parte do Direito que cuidará dos assuntos atinentes aos funcionários públicos em geral.


Como ideia primária, mas universal, no território nacional, tem-se que o direito administrativo se vale, para sua formação, de quatro fontes principais: a lei, a doutrina, a jurisprudência e os costumes. Outras, porém, podem ser agregadas, dependendo da linha doutrinária.


A maior parte dos publicistas adere à condição das fontes principais, como demonstrou, notadamente, a pesquisa do saudoso mestre Hely Lopes Meirelles (2016), o qual trouxe à baila as fontes em epígrafe, em consonância, assim, com a maioria maciça dos doutrinadores: a lei, a doutrina, a jurisprudência e os costumes, conforme assentado no parágrafo anterior.


A premissa amplificada, por outro lado, é espelhada por jurisconsultos como a professora Di Pietro (2017), que acusa sete fontes do Direito Administrativo, divididas entre fontes formais e fontes materiais, divergindo, assim, com singeleza, de outros doutrinadores, mas com habilidade técnica é possível delimitar cada qual. Entre as fontes formais, têm-se Constituição Federal, a lei, o regulamento e outros atos normativos da Administração Pública, e também, parcialmente, a jurisprudência. Já dentre as fontes materiais, que dão origem ao direito aplicável, elencam -se a doutrina, a jurisprudência, os costumes e os princípios gerais de direito.


A lei, em sentido amplo, é a fonte principal do direito administrativo, englobando desde a Constituição Federal, no seu grau mais alto, até as Portarias, os Regulamentos, os Atos Normativos e as Ordens de Serviço, nos seus degraus precedentes.


Isso posto, adentra-se à questão do procedimento disciplinar propriamente dito. Quando se fala em procedimento disciplinar, o que se deve ter em mente é que, para toda situação de desconformidade no ambiente militar, por mais elementar que seja, da qual se evidencie a prática de uma conduta tipificada como faltosa, há a necessidade de se instaurar o devido procedimento para apurar tal conduta.


O rol de condutas, em regra, está estipulado em lei ou estatuto próprio da organização pública. As sanções são variadas, podendo implicar, em graus máximos de punibilidade e, claro, diante de faltas de alta gravidade, culminar com processos demissórios e consequentes perdas da função.


No caso da Polícia Militar do Estado de São Paulo, corporação escolhida para a análise situacional, o seu Regulamento Disciplinar já existia anteriormente, desde a década de 1980, mas foi reeditado com o advento da Lei Complementar n° 893, de 09 de março de 2001 e, com ele, alguns princípios foram reafirmados a todos os integrantes da instituição paulista. É a partir desta normativa que serão explorados os pontos de interesse a serem atingidos no artigo científico.


O princípio mais basilar e que demonstra com clareza solar o alinhamento da força pública paulista como reserva e auxiliar do Exército Brasileiro (conforme prevê a própria Constituição Federal) está insculpido em seu artigo inicial. Nele, fica estabelecido que “A hierarquia e a disciplina são as bases da organização da Polícia Militar”. (SÃO PAULO [Estado], 2001).


O capítulo II da norma prevê a deontologia policial-militar, contendo o arcabouço valorativo e ético da organização paulista.


Do conjunto de valores, podem-se citar patriotismo, civismo, lealdade, constância, honra, dignidade humana, honestidade, coragem e verdade real, este último, destacadamente, tido como uma das finalidades de todo e qualquer processo da Polícia Militar, desde o simples procedimento disciplinar, até uma sindicância, processo regular ou inquérito policial-militar.

O tratamento a respeito das condutas, que são, de fato, o norte que se tem para se instaurar ou não um procedimento apuratório é dado, da mesma forma que os códigos substantivos existentes no país, por descrições dessas condutas desconformes. Fazendo-se alusão, por exemplo, ao Código Penal, onde se lê, no artigo 155 que “furtar é crime”, tem-se, no Regulamento Disciplinar, também, um rol de condutas, por exemplo, “desconsiderar os direitos constitucionais da pessoa no ato da prisão” que denotam um tipo de infração administrativa. A diferença básica é que os códigos penais possuem, além da tipificação da conduta, a pena cominada. No caso do furto simples citado, se se tratar de modalidade simples, a pena é de reclusão de 2 a 4 anos.


Há, portanto, uma relação de condutas comissivas (aquelas que resultam por ação do agente, por exemplo, ofender subordinado hierárquico) e omissivas (aquelas que resultam por desídia ou omissão do agente, por exemplo, deixar de prestar continência a superior hierárquico) constantes do Regulamento da Polícia Militar paulista, no bojo dos artigos 12 e 13 do codex.


Elas são as transgressões disciplinares, que, segundo a lei já comentada:


Artigo 12 - Transgressão disciplinar é a infração administrativa caracterizada pela violação dos deveres policiais-militares, cominando ao infrator as sanções previstas neste Regulamento.

§ 1º - As transgressões disciplinares compreendem:

1 - todas as ações ou omissões contrárias à disciplina policial -militar, especificadas no artigo 13 deste Regulamento;

2 - todas as ações ou omissões não especificadas no artigo 13 deste Regulamento, mas que também violem os valores e deveres policiais - militares.

§ 2º - As transgressões disciplinares previstas nos itens 1 e 2 do § 1º, deste artigo, serão classificadas como graves, desde que venham a ser:

1 - atentatórias às instituições ou ao Estado;

2 - atentatórias aos direitos humanos fundamentais;

3 - de natureza desonrosa. (SÃO PAULO [Estado], 2001, p. 7).


Veja-se que, além da lista do artigo 13 indicado acima, a qual contém um total de 132 (centro e trinta e duas) condutas especificamente descritas, o dispositivo citado, em seus parágrafos 1° e 2°, apresenta situações que não constam dessa lista, sendo, porém, de acordo com a relevância do caso, particularidade da situação ou outro quesito singular, amoldado como transgressão da mesma forma.


As transgressões são classificadas em leve (L), média (M) ou grave (G), de acordo com o disposto no artigo 13, caput, ou no § 3º do artigo 12, nesse caso, por atribuição dada pela autoridade administrativa competente, de acordo com a gravidade do ato cometido. Esta premissa, juntamente com a previsão dada nos artigos 15 usque 20 e a combinação com as circunstâncias atenuantes e agravantes dos artigos 34 e 35, são as únicas formas de delimitar a valoração da pena ao policial militar faltoso.


Na tabela 1 da página seguinte, veja-se uma lista sinóptica das transgressões disciplinares cometidas, constantes do artigo 13, mais comuns no ambiente policial:


O procedimento disciplinar, que é a peça de apuração sobre o cometimento de tais faltas tem seu texto presente nos artigos 27 a 29 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM).


Decorrem da responsabilização ao faltoso algumas penas, de acordo com a gravidade do ato transgressional cometido.

Nem sempre houve um rito detalhado. Como se disse, na década de 1980 o procedimento se resumia à comunicação por escrito (às vezes simplesmente a comunicação verbal do fato transgressivo) e a informação, também por escrito, do faltoso. Isso bastava para que a sanção fosse aplicada.


Recepcionada a nova Constituição Federal em 1988, os princípios do contraditório e da ampla defesa foram, forçosamente, agregados ao Direito Administrativo, e, com a aparição da lei n° 893/01, o Comando-Geral da Polícia Militar paulista baixou a Portaria do Cmt G nº CORREGPM-004/305/01, naquele mesmo ano, contendo o rito do procedimento disciplinar a que se referem os artigos 27 a 29 do Regulamento.


Ficou evidente o atendimento aos princípios sobreditos, já que, desse momento em diante, uma série de garantias passou a ser dada ao acusado. Não se perdeu a discricionariedade e não se maculou a hierarquia e disciplina, mas, sobretudo, se valorizou a possibilidade de defesa do infrator administrativo. Assim, o procedimento se tornou um pouco mais moroso.

Visando a celeridade e economicidade processual, em 2013 foi editava nova normativa, a Portaria do Comandante Geral n° CORREGPM-1/360/13, publicada no Boletim Geral PM 211, de 6 de novembro de 2013, intitulada: Procedimento Disciplinar no Âmbito da Polícia Militar do Estado de São Paulo, mantendo notadamente a tutela dos direitos constitucionais ao acusado em procedimento disciplinar.


Nesse novel regramento, basicamente, ficaram definidos os seguintes pontos de interesse:

  1. definição dos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade – foi, assim, agilizado sobremaneira o tempo de solução de um caso de transgressão, que anteriormente procrastinava -se por meses e meses, mediante pedidos protelatórios e tumultuários de advogados. Atendeu-se à garantia constitucional ao acusado, mas acelerou-se a conclusão do feito;

  2. prazo para a autoridade de cinco dias para avaliação da comunicação inicial – podendo, esta, determinar: o retorno à origem, para que se faça a complementação de dados; a lavratura do Termo Acusatório, o encaminhamento ao acusado para Manifestação Preliminar sobre os fatos; ou, finalmente, o arquivamento do feito por despacho motivado;

  3. previsão das garantias do contraditório e da ampla defesa, a partir do que será marcada audiência de instrução e julgamento, designada num prazo de 10 (dez) dias;

  4. possibilidade do acusado solicitar a oitiva de até três testemunhas em sua defesa, sendo então elaborados os requerimentos correlatos;

  5. possibilidade do acusado ou seu defensor contraditar a testemunha ou arguir circunstâncias ou defeitos que a tornem suspeita de parcialidade ou indigna de fé;

  6. redução a termo resumida dos depoimentos das testemunhas, sinteticamente no termo da audiência, pela autoridade policial-militar, consignando-se somente fatos objetivos de acusação e defesa, sendo admitida a acareação;

  7. oportunização dada à palavra do acusado ou de seu defensor constituído, após encerrado o interrogatório, para alegações finais orais por 10 (dez) minutos, prorrogáveis por mais 5 (cinco), proferindo a autoridade policial-militar, a seguir, a decisão do Procedimento Disciplinar;

  8. decisão dada na própria audiência de julgamento, na qual a autoridade policial-militar justificará a conduta do acusado quando reconhecida qualquer das causas previstas no artigo 34 [3] ou aplicará a sanção disciplinar nos limites de sua competência, observando o disposto nos artigos 33 a 48 do Regulamento;

  9. validação do uso de meios eletrônicos, assim compreendidos como qualquer forma de captura de dados de som e imagem e armazenamento de arquivos digitais;

  10. possibilidade de nulidade do ato, caso haja manifesto prejuízo à defesa ou à Administração.

Diante do exposto, muito embora o rito apresentado em 17 artigos da Portaria de 2013 seja notadamente sumário, foram claramente protegidos os direitos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da defesa ampla ao acusado. Não há, ao menos na letra da norma e de sua regulamentação, a possibilidade de se punir um policial militar sem o mínimo de prova de seu cometimento. A responsabilização não é aleatória, pelo contrário, é técnica, sistemática e criteriosa. O que não se tem plena e cabalmente definido, entretanto, é a medida da pena a ser aplicada, tópico a ser discutido na seção seguinte.



3. Rito e aferição da sanção administrativa



Terminado o procedimento disciplinar e verificada e constatada a falta e o autor, pelo conjunto probatório, passa-se à decisão final por parte da autoridade hierárquica instauradora. Deve ser aplicada uma sanção q ue, como se disse, varia desde a advertência e a repreensão, para as faltas mais leves, até a permanência e a detenção, para as de maior gravame ou repercussão.


Os limites de competências das autoridades constam do art. 32 do RDPM, in verbis:


Artigo 32 - O Governador do Estado é competente para aplicar todas as sanções disciplinares previstas neste Regulamento, cabendo às demais autoridades as seguintes competências:

I - ao Secretário da Segurança Pública e ao Comandante Geral: todas as sanções disciplinares exceto a demissão de oficiais;

II - ao Subcomandante da Polícia Militar: as sanções disciplinares de

advertência, repreensão, permanência disciplinar, detenção e proibição do uso de uniformes de até os limites máximos previstos;

III - aos oficiais do posto de coronel: as sanções disciplinares de

advertência, repreensão, permanência disciplinar de até 20 (vi nte) dias e detenção de até 15 (quinze) dias;

IV - aos oficiais do posto de tenente-coronel: as sanções disciplinares de

advertência, repreensão e permanência disciplinar de até 20 (vinte) dias;

V - aos oficiais do posto de major: as sanções disciplinares de advertência, repreensão e permanência disciplinar de até 15 (quinze) dias;

VI - aos oficiais do posto de capitão: as sanções disciplinares de advertência, repreensão e permanência disciplinar de até 10 (dez) dias. (SÃO PAULO [Estado], 2001).


Este artigo científico propõe uma metodologia elementar de aplicação do quantum da sanção, e, diante do grande número de personalidades envolvidas no art. 32, centrar-se-á a matéria nos oficiais do posto de capitão, conforme inciso VI acima.


Isso se deve a um motivo principal: as Companhias de policiamento, que são as organizações policiais-militares de maior presença no cenário operacional da Instituição, são comandadas por oficiais desta patente.


É claro que, seguindo-se tal método, se a aferição de uma penalidade atingir, por exemplo, os 20 dias de permanência, bastará – como de fato ocorre – que a autoridade de primeiro nível encaminhe ao seu superior, e assim por diante até que se atinja o nível possível de aplicação da pena.


O que ocorre atualmente no que se refere às Permanências e Detenções é o seguinte: a definição de uma ou outra está baseada na decisão subjetiva da autoridade e o limite para a primeira é de 20 dias e da segunda, 15 dias.


Tal previsão consta do art. 42 da lei, único que delimitará as possibilidades de aplicação do quantum, porém, sem o critério técnico de aferição específica. Veja- se o texto:


Artigo 42 - A sanção disciplinar será proporcional à gravidade e natureza da infração, observados os seguintes limites:

I - as faltas leves são puníveis com advertência ou repreensão e, na

reincidência específica, com permanência disciplinar de até 5 (cinco) dias;

II - as faltas médias são puníveis com permanência disciplinar de até 8 (oito) dia s e, na reincidência específica, com permanência disciplinar de até 15 (quinze) dias;

III - as faltas graves são puníveis com permanência de até 10 (dez) dias ou detenção de até 8 (oito) dias e, na reincidência específica, com permanência de até 20 (vinte) dia s ou detenção de até 15 (quinze) dias, desde que não caiba demissão ou expulsão. (SÃO PAULO [Estado], 2001).


Veja-se o seguinte caso hipotético. O policial João, morador de uma cidade do interior, demora 6 horas de viagem para chegar ao início do seu turno de serviço em São Paulo. Na segunda ocasião que chega 10 minutos atrasado (maculando o n° 79 do art. 13 do RDPM), tendo recebido, em sua primeira falta, a sanção de repreensão, desta vez, pelo seu segundo atraso, recebe a punição de Permanência Disciplinar de 5 dias. José, morador da casa defronte ao mesmo quartel, também chega, pela segunda vez no mesmo ano, atrasado para o início do serviço (os dois atrasos foram de duas horas). José recebeu, na primeira falta disciplinar, a punição de repreensão e, no segundo atraso, a Permanência Disciplinar de 1 dia. Em ambos os casos, foi dado fiel cumprimento ao inciso I do art. 42, acima descrito.


Pergunta-se, há justiça e critério na aplicação dessas sanções?


A nosso ver, independentemente do tempo de atraso dos dois policiais militares, avaliando-se unicamente a falta capitulada no n° 79 do art. 13, o critério de aferição da pena deveria ter maior tecnicidade, de forma a se evitar abusos ou excessivas tolerâncias. Não se busca, aqui, aquiescer ou mancomunar-se com a transgressão disciplinar, mas aplicá-la da forma mais justa possível.


Ou seja, um policial que comete um mesmo tipo de conduta desconforme pode ser punido de uma maneira diferente, injusta e desmedida.


Dentre as 132 faltas disciplinares constantes do art. 13, somam-se 53 graves, 53 médias e 26 leves. São acrescidas, é claro, todas as condutas não constantes desse artigo 13, mas que se elenquem numa das disposições do artigo 12.


As causas de justificação constantes do art. 34 do RDPM são, em síntese, o motivo de força maior ou caso fortuito, plenamente comprovados; o benefício do serviço, da preservação da ordem pública ou do interesse público; a legítima defesa própria ou de outrem (que, aliás, é prevista como excludente de ilicitude criminal); a obediência a ordem superior, desde que a ordem recebida não seja manifestamente ilegal; o uso de força para compelir o subordinado a cumprir rigorosamente o seu dever. Somente são citadas, aqui, para conhecimento, pois culminam, caso constatadas, na não punição do militar do Estado.


O art. 33 traz, sinteticamente, uma orientação muito sutil quanto à aplicação da sanção, na seguinte conformidade:


Artigo 33 - Na aplicação das sanções disciplinares serão sempre considerados a natureza, a gravidade, os motivos determinantes, os danos causados, a personalidade e os antecedentes do agente, a intensidade do dolo ou o grau da culpa. (SÃO PAULO [Estado], 2001).


Prosseguindo-se, há duas balizas para a aplicação da punição, mas são muito abrangentes, sem especificidade. São elas as causas atenuantes e as causas agravantes da punição.


Dentre as atenuantes, que deveriam abrandar a pena, estão previstas no art. 35:



Artigo 35 - São circunstâncias atenuantes:

I - estar, no mínimo, no bom comportamento;

II - ter prestado serviços relevantes;

III - ter admitido a transgressão de autoria ignorada ou, se conhecida, imputada a outrem;

IV - ter praticado a falta para evitar mal maior;

V - ter praticado a falta em defesa de seus próprios direitos ou dos de outrem;

VI - ter praticado a falta por motivo de relevante valor social;

VII - não possuir prática no serviço;

VIII - colaborar na apuração da transgressão disciplinar. (IBID.).


E, dentre as agravantes, que deveriam enrijecer a pena, estão previstas no Artigo 36:


art. 36 - São circunstâncias agravantes:

I - mau comportamento;

II - prática simultânea ou conexão de duas ou mais transgressões;

III - reincidência específica;

IV - conluio de duas ou mais pessoas;

V - ter sido a falta praticada durante a execução do serviç o;

VI - ter sido a falta praticada em presença de subordinado, de tropa ou de civil;

VII - ter sido a falta praticada com abuso de autoridade hierárquica ou funcional.

§ 1º - Não se aplica a circunstância agravante prevista no inciso V quando, pela sua natureza, a transgressão seja inerente à execução do serviço.

§ 2º - Considera-se reincidência específica o enquadramento da falta praticada num mesmo item dos previstos no artigo 13 ou no item II do § 1º do artigo 12. (SÃO PAULO [Estado], 2001).


São esses, assim, os critérios básicos para a aplicação da pena administrativa. Quando se fala em permanência e detenção, as duas sanções coercitivas de liberdade, não se verifica uma exatidão de critérios para sua contabilização, o que pode ensejar desconformidades nas decisões de casos que possuam similaridade de condutas.


É o que será visto adiante.



4. Análise de procedimentos



A busca de alguns feitos que resultaram em punição disciplinar aos faltosos foi crucial para a verificação de algumas hipóteses levantadas, além de se tornarem essenciais à validação ou não da problemática inicialmente apontada.


Assim, os dados ora coligidos foram localizados em domínio público, já que se extraíram de Boletins Internos de Organizações Policiais Militares do nível de comando de área da cidade de São Paulo. O Comando de Policiamento de Área Metropolitana (CPA/M) trata-se de um comando regional que cuida de determinada porção territorial de grande extensão. Atualmente, a capital paulista é dividida em oito territórios dessa hierarquia estratégica. Em linhas gerais, o CPA/M-1 é responsável pela região Centro, CPA/M-2 e CPA/M-10 pela região Sul, CPA/M-3 pela região norte, CPA/M-4, CPA/M-9 e CPA/M-11 pela região Leste e CPA/M-5 pela região Oeste.


Para tanto, ao se constatar que, diferentemente das polícias de outros Estados brasileiros, e mesmo outras organizações como o Exército Brasileiro [3], a PMESP não divulga seus boletins, a pesquisa necessitou vasculhar o Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOE/SP), em que se verifica, na seção de Segurança Pública, os resultados de alguns procedimentos que tiveram pedidos recursais por parte dos faltosos. O ideal é que se visse o resultado da instância hierárquica mais baixa, que é o Capitão, normalmente na função de Comandante de Companhia. Não obstante, foi possível verificar bons exemplos para este artigo.


O primeiro caso de interesse, publicado no DOE n° 166, de 3 de setembro de 2019, teve uma punição com a seguinte nota de culpa:


Ao Sd PM ____________________________, do 3º GB, consoante ao apurado no PD 3GB-005/809/18, foi aplicada a sanção de 03 dias de Permanência Disciplinar, por ter, “em 25AGO18, por volta das 21h, após ter sido advertido pelo 3º Sgt PM ______________________ , em razão de não ter fechado as portas do armário de EPIs, após o termino do serviço, função que é de sua responsabilidade na prontidão, respondido ao graduado, em tom de ironia, “meu ovo” e em seguida, alegar que não ficaria aguardando que todos guardassem seus equipamentos para cumprir tal determinação, fato este presenciado pela prontidão azul de serviço no PB Mooca e comunicado através da Parte 3GB -169/110/18, infringindo com sua conduta a tipificação do 36 do parágrafo único do Art. 13, com atenuantes do Art. 35 inc. I e II e agravante do art. 36 inc. V, tudo do RDPM, transgressão de natureza grave”. (SÃO PAULO [Estado], 2019).


Por intermédio de seu defensor constituído, o acusado, inconformado com a decisão, impetrara recurso, o qual, após análise, foi negado, mantendo -se a punição inicialmente imposta. Realmente, tratou-se de conduta que feriu frontalmente preceitos de hierarquia castrense. Tratou-se de punição exemplar, reafirmando a manutenção de tal princípio e tentativa de reeducação do militar do Estado.


O segundo caso de interesse, publicado no DOE n° 196, de 18 de outubro de 2018 – recordando-se que o artigo não adentrará á questão de mérito, mas sim à tecnicidade de aplicação da pena perante a dosimetria – é o de um policial do Centro de Operações da Polícia Militar que utilizou medicamentos para emagrecimento sem prescrição médica. Teve a seguinte nota de culpa:


“Por ter, a Sd PM_______________, do COPOM, consoante o apurado no PD nº COPOM -108/60/18, em 02FEV18, adquirido do Cb PM , do COPOM, medicamentos manipulados de uso controlado para emagrecimento que causam dependência física ou psíquica, conforme laudo pericial 139. 139 - 2018, expedido pelo Instituto de Criminalística, e o medicamento “cloridrato de sibutramina monohidratada – BigMag”, lote 1609118, produzido pelo laboratório Aché, sem prescrição de um profissional médico habilitado, causando-lhe vários problemas de saúde, infringindo assim o 2 do § 1º do artigo 12, com atenuante dos incisos I e II do artigo 35 e sem agravante do artigo 36, tudo do RDPM. Transgressão de natureza Média. Aplico a sanção de 04 dias de permanência disciplinar”. (SÃO PAULO [Estado], 2018).


O militar increpado sofreu a sanção de 4 dias de Permanência Disciplinar. Veja-se que este tipo de transgressão do art. 12 permite que a autoridade disciplinar classifique, pela análise da conduta, se é leve, média ou grave. No caso, foi média, Somente a título de comentário, caso se tratasse de substância ilícita, a pena ao distribuidor seria mais grave que a do consumidor.


São esses os casos, dentre tantos outros observados, que interessam ao ensaio, já que possuem dosimetrias medianas.



5. Proposta do sistema bifásico



Tendo sido apresentado todo o contexto, passa-se à proposta propriamente dita.


O que será trazido à baila não estará em desacordo com a lei n° 893/01 e nem com a Portaria n° CORREGPM-1/360/13. Trata-se de integração da metodologia já existente para as sanções penais, agregada, ao rol de critérios do Procedimento Administrativo constante do RDPM.


É claro que, para se definir com exatidão o quantum dos dias a serem aplicados, será necessário atribuir valores às circunstâncias atenuantes e agravantes, para que, então, se possa estabelecer juízo de valor (em números absolutos) acerca da extensão dessa penalidade.


Primeiramente, quanto à definição da pena-base, deve ser estabelecido o padrão que é adotado no Código Penal, com a limitação mínima e máxima da pena. Essa limitação será auferida com supedâneo nos limites previstos no art. 42 do RDPM, anteriormente explorados. Há, entretanto, a necessidade de se diferenciar os critérios de pena-base para os militares sem reincidência específica e aos reincidentes.


Com a fixação inicial destes valores, mínimos e máximos, pode-se proceder à mesma sistemática adotada pelo Poder Judiciário para se prosseguir na contagem do sistema trifásico.


O primeiro passo, então, é verificar a condição do acusado (se reincidente ou não) e o tipo de falta cometida. Dentre as faltas graves, há uma singularidade, que é, de acordo com a subdivisão (que inexiste, na lei) do grau dessa gravidade, definir se a pena aplicada será de permanência ou de detenção. Os casos de detenção são mais raros, mas não menos necessários. Muito embora não haja no texto da lei, existe uma nomenclatura dada no ambiente de caserna que é “falta desabonadora”. Esse tipo de falta disciplinar fere frontalmente os princípios de hierarquia e disciplinar. É o caso de “faltar com a verdade” e “não cumprir ordem de superior”, desde que o fato não constitua crime. Esse critério, porém, será subjetivo para outras faltas graves não tão corriqueiras, porém é imperioso que se defina qual o tipo de pena a ser aplicada na falta grave.


Estipula-se, destarte, a pena-base, a partir do grau de relevância e mácula aos preceitos, valores e disciplina, recordando-se, entretanto, que tal pena-base não poderá superar, na somatória final, os limites estabelecidos na Tabela 3. Explica -se. Num crime de homicídio, hipoteticamente cometido com diversas qualificadoras, a pena poderá superar em muito o máximo de 30 anos previsto na comi nação descrita do art. 121 do Código Penal. Há condenações muito superiores a esse limite.

O mesmo não poderá ocorrer na pena administrativa, já que, por exemplo, para a permanência, por mais grave que tenha sido o fato, a sanção não poderá exceder os 20 dias. A partir desse contexto, tem-se que o ideal é atribuir uma pena- base que seja a mínima para as situações menos reprováveis, até atingir a média aritmética absoluta entre a mínima e a máxima, para as de média reprovação, que não são abruptamente atentatórias aos preceitos militares. Numa falta grave não reincidente (com teor médio de gravidade de conduta) que tenha a mínima de 1 dia de permanência e a máxima de 10 dias, a pena-base seria, portanto, de 5 dias. Nessa mesma lógica, se a falta grave tiver teor de baixa gravidade (com mesma contabilização mínima e máxima), pode-se definir a pena-base em 1 dia, pois é a menor possível. E, por óbvio, se atingir a gravidade máxima, é claro que se deve adotar a penalidade máxima prevista na norma.


Para ilustrar, imagine-se um policial que tenha se atrasado para o início do serviço, retornando à situação hipotética vivida pelo PM José. Imagine-se que esse atraso foi de 8 horas, sendo um caso de reincidência. Por ser falta leve, e reincidência específica, a pena varia de 1 a 5. Mas o lapso temporal de atraso foi muito grande, o que implicaria aproximar-se a pena-base da metade aritmética. Assim, poder-se-ia atribuir a pena inicial de 2 dias, iniciando-se o sistema de dosimetria.


Feito isso, passa-se à próxima etapa. Trata-se da segunda e última possível para o Direito Administrativo da PMESP, já que o sistema trifásico do Direito Penal tem muito bem definidas as suas três fases: a primeira determinando a pena-base, utilizando-se os critérios do artigo 59 do Código Penal, a segunda levando-se em consideração a existências de circunstâncias atenuantes (art. 65) e agravantes (artigos 61 e 62) e, finalmente, a terceira fase, contabilizando-se as eventuais causas de diminuição e de majoração da pena (causas especiais, como por exemplo, no roubo, a qualificadora do emprego de arma de fogo).


No caso do Procedimento Administrativo, ao invés das atenuantes e qualificadores aplicadas na pena criminal, adotar-se-ão as circunstancias atenuantes e agravantes dos artigos 34 e 35, já aclarados. Todavia, faz-se necessário atribuir pesos a cada uma dessas circunstâncias. Desse modo, a valoração desses elementos pode acompanhar a tabela 4, a seguir:


Deve-se observar que algumas circunstâncias, para eclodirem de fato, devem ser investigadas no curso do Procedimento.

É o caso, por exemplo, das atenuantes “ter admitido a transgressão de autoria ignorada ou, se conhecida, imputada a outrem” e “colaborar na apuração da transgressão disciplinar”, o que somente poderá ser aduzido após o rito procedimental. No caso das agravantes, a do inc. VII do art. 35, “ter sido a falta praticada em presença de subordinado, de tropa ou de ci vil” é um exemplo de circunstância que somente poderá ser constatada no decorrer das apurações.


A contagem proposta para se atingir a dosimetria ideal consiste em somar os valores de cada coluna. Imagine-se que o acusado está no bom comportamento e não possuía prática no serviço. Numa punição que teve por pena -base 3 dias de Permanência, sendo somente essas circunstâncias atenuantes verificadas, ele teria uma pena final (já que o sistema proposto para o procedimento disciplinar será, como se disse, bifásico) de 3 – 2 = 1. Como a pena mínima da permanência é 1 dia, então a dosimetria de sua sanção disciplinar, mesmo que as circunstâncias atenuantes resultem em número final negativo, será de 1 dia de permanência.


Sobre tal premissa, insta pontuar que a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça regula que “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Ora, trata-se de uma orientação mais que coerente, já que, voltando-se ao direito administrativo disciplinar, não traria qualquer benefício à manutenção da disciplina e à reeducação do faltoso uma permanência de 0 (zero) dias.


Imagine-se caso similar ao descrito anteriormente. Se o policial militar transgressor, além das circunstâncias atenuantes descritas possuir as agravantes de “conluio de duas ou mais pessoas” e “ter sido a falta praticada durante a execução do serviço”, tem-se a seguinte contagem:


Pena-base = 3 – (Atenuantes: 2 – Agravantes: 2) -> Pena final = 3 – 0 à 3 [6]. Sua pena mais justa será de três dias de Permanência Disciplinar.


Retornando-se ao primeiro caso analisado no capítulo anterior, do bombeiro que respondeu grosseiramente ao seu superior hierárquico. Tem-se a falta grave, e, como por dedução, não há reincidência, a pena-base parte da permanência mínima 1 e máxima 10. Resposta grosseira a um superior é uma falta grave que, se pudesse ter uma subclasse, seria medianamente ou quase que altamente grave. Se se imaginar que é medianamente grave, então a pena-base seria de 5 dias (a média aritmética absoluta entre 1 e 10). Entre agravantes e atenuantes, tem-se 2 – 1 = 1. Assim, sua pena mais justa seria de 5 – 1 = 4 dias de Permanência Disciplinar.


Quanto ao segundo caso demonstrado, da policial que adquirira medicamentos para emagrecimento, a falta, constante do art. 12, teve a classificação média. Se houvesse, repita-se, uma subclasse, jamais poderia ser tida como a mais grave das faltas médias, pois se referiu a tópicos para uso próprio, que não se enquadravam como substâncias entorpecentes. Assim sendo, a pena-base, por mediana que fosse, jamais poderia ultrapassar os 4 dias (intermediação, entre 1 e 8 das penas das faltas médias, conforme tabela 3). Seguindo o sistema bifásico, como se acolheram duas circunstâncias atenuantes e sem agravantes, tem-se 2 – 0 = 0. Portanto, a dosimetria mais justa seria de 4 – 2 = 2 dias de Permanência Disciplinar.


Destarte, eis a dosimetria ideal a ser utilizada pela Instituição bandeirante, evitando-se:


a) desgastes de possíveis recursos disciplinares pela falta de motivação do administrador para determinar o cálculo da pena aplicada;

b) injustiças com penas de menor valência, aplicadas à base do clientelismo;

c) injustiças com penas de alto rigor, a partir de personalismos e perseguições; e, finalmente,

d)a falta de tecnicidade e padronização, já que são fatores essenciais às organizações de grande porte.


Era o que se tinha a apresentar de proposta.



5. Considerações finais



É cediço que as polícias militares dos entes federativos devam apresentar severidade nas punições aplicadas aos seus integrantes a partir das transgressões por eles cometidas, em face do arcabouço ético e valorativo das tropas militares, o que impõe conduta diferenciada desses profissionais.


Não se pode, porém, ultrapassar dos limites de coerência e proporcionalidade, tão defendidos com o advento da novel Constituição da República.


Nesta obra acadêmica, o foco foi demonstrar a necessidade de sistematização e estandardização da aferição da pena administrativa imposta aos policiais militares da PMESP, já que, mesmo diante da existência de uma lei específica e de uma Portaria de seu Comandante que contém uma série de definições, conceitos e ritos de elaboração dos procedimentos disciplinares, ainda não há, hodiernamente, a existência de padrão para a aferição da sanção.


Foi nesta vereda que se ousou embrenhar no curso do presente trabalho.


Consoante a pesquisa bibliográfica e documental levada a efeito no artigo científico, é do entender deste autor que as questões incipientes levantadas tiveram validação, evidenciando-se que não há padrão corporativo para definição do quantum da sanção administrativa, bem como tal lacuna pode gerar injustiças nas aplicações de punições aos militares do Estado.


Os objetivos específicos também tiveram alcance, na medida em que foram agregados ao bojo da obra procedimentos disciplinares que ilustraram o assunto, bem como foi possível diagnosticar a disparidade havida entre punições de faltas disciplinares tecnicamente de natureza similares, o que evidencia possíveis injustiças na contagem das penalidades.


É crível que o presente trabalho sirva como reflexão aos estudiosos do Direito, autoridades hierárquicas disciplinares e ao staff estratégico da PMESP, para que, a partir de grupo de estudos, possa disciplinar essa matéria com maior detalhamento, evitando-se o uso de subjetivismo e personalismos na aplicação das sanções administrativas decorrentes de procedimentos disciplinares.



NOTAS


1. Quem é o autor ao final.


2. Codex que traz o rito para o Inquérito Policial-Militar, a peça inquisitória responsável para este tipo de apuração (infrações penais militares).


3. Causas que serão discutidas detalhadamente na seção seguinte do artigo científico.


4. Vide, para tanto, o acervo de Boletins do Exército Brasileiro. Disponível em: http://www.sgex.eb.mil.br/sistemas/be/boletins.php. Acesso em: 10 nov. 2019.


5. Desde que não seja falta inerente â execução do próprio serviço.


6. Os travessões, neste Capítulo 3 se referem ao sinal matemático de subtração (–).



REFERÊNCIAS



BOAVENTURA, Edivaldo Machado. Metodologia da pesquisa: monografia, dissertação e tese. São Paulo: Atlas, 2004.


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Brasília: Imprensa Oficial da União, 1988.


. Decreto-Lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 1969.


BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal Brasileiro. Brasília: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 1941.


CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino; DA SILVA, Roberto. Metodologia Científica. 6. ed. São Paulo: Pearson Practice Hall, 2006.


DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30.ed. Rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.


FERREIRA, Célio de Jesus Lobão. Direito processual penal militar. Rio de Janeiro: Método, 2009.


HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. v. 3.0. Rio de Janeiro: Objetiva, Junho de 2009.


LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.


MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.


MORETTI, Roberto de Jesus, Ailton SOARES, e Ricardo Juhás SANCHES. O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo. São Paulo: Saraiva, 2006.


NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. São Paulo: Saraiva, 2012.


POLÍC IA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO (PMESP). Portaria do

Comandante-Geral n° CORREGPM-1/360/13, de 6 de novembro de 2013. Procedimento Disciplinar no Âmbito da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Publicada no Boletim Geral PM n° 211/13. São Paulo: PMESP, 2013.


SÃO PAULO (Estado). Constituição do Estado de São Paulo, de 5 de outubro de 1989. São Paulo: Diário Oficial do Estado de São Paulo, 1989.


___. Diário Oficial do Estado de São Paulo. Poder Executivo, São Paulo, SP, 3 set. 2019. n° 166, Seção 1, p. 89.


___. Diário Oficial do Estado de São Paulo. Poder Executivo, São Paulo, SP, 18 out. 2018. n° 196, Seção 1, p. 104.


___. Lei Complementar n° 893, de 09 de março de 2001. Institui o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar. São Paulo: Diário Oficial do Estado, 2001.


Herbert Saavedra é em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco, da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul. E-mail: herbertsaavedra@hotmail.com

Faculdade de Direito da UFMG

Av. João Pinheiro, nº 100 - Centro CEP 30130-180

Centro - Belo Horizonte Tel: 31-3409-8650

Escola Judicial Militar

Rua Tomáz Gonzaga, nº 686 - Lourdes CEP 30180-143

Belo Horizonte Tel: 3274-1566

bottom of page