O Código Penal Militar adotou, para a caracterização do crime militar um modelo de tipificação indireta: em primeiro lugar se verifica se o fato a ser analisado está ou não previsto na legislação, para depois subsumi-lo a uma das hipóteses do seu art. 9º.
Com o advento da Lei 13.491/2017, houve importante alteração no tocante ao conceito de crime militar impróprio. Ao dar ao inciso II, do art. 9º, deste Código uma redação muito mais ampla, a alteração legislativa mudou o conceito até então pacífico sobre o que seria o crime militar impróprio.
O crime militar impróprio se caracterizava quando um fato típico estivesse previsto, ao mesmo tempo, no CPM, embora também estivesse, com igual definição, na lei penal comum. Os exemplos eram facilmente identificáveis: furto, lesão corporal, injúria, difamação, calúnia etc.
Agora, o legislador abandonou a expressão “embora também o sejam com igual definição na lei penal comum”, para agasalhar a expressão “e os previstos na legislação penal”, significando que não mais existe necessidade de identidade de definição penal, criando outra categoria de crime militar, que passa a ser, qualquer crime previsto na legislação penal (Código Penal e legislação extravagante específica) a ensejar o processo e julgamento por uma Justiça Especial, a castrense.
É, portanto, o fato de o crime ser militar que define a competência da Justiça Militar, a qual não julga o militar, e sim o crime quando militar. Com a relevante alteração legislativa, aumentou-se consideravelmente a competência da Justiça Militar, nos âmbitos federal e estadual, que passaram a julgar crimes que, até então, eram da competência da Justiça Comum. Cabe, no entanto, perquirir quanto à competência da Justiça castrense para o julgamento de crimes previstos na legislação eleitoral.
A Constituição Federal, ao tratar dos Tribunais e Juízes Eleitorais, não dispôs expressamente acerca da competência da Justiça Eleitoral, delegando-se à lei complementar a sua organização e a sua competência (artigo 121). Como esta lei complementar nunca foi elaborada, a conclusão é que o Código Eleitoral (Lei 4.737/65), nesta parte, foi recepcionado. O referido diploma legal, no artigo 35, II, estabelece competir aos juízes eleitorais "processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais".
Cuidam-se ambas, a Justiça Militar e a Justiça Eleitoral, de órgãos da Justiça Especial que, por causa das suas especificidades, são disciplinadas por leis processuais próprias e julgadas por ramos do Judiciário específicos para tais questões. Estar-se-ia diante, portanto, de um conflito de competência entre órgãos da Justiça Especial.
A respeito do alcance da competência criminal da Justiça Eleitoral, o Ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do Agravo Regimental na Reclamação nº 43.130, julgada na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou o seguinte posicionamento:
A tendência dos últimos anos, até da jurisprudência do STF, é ampliar as competências da Justiça Eleitoral, verificando-se uma tendência de atribuir a essa Justiça, que é extremamente ágil e aperfeiçoada no cumprimento de seu mister, uma competência cada vez mais alargada, sobretudo no que diz respeito a matéria criminal e naqueles crimes conexos com a matéria de natureza eleitoral", citando a Lei nº 13.488/17 que incluiu artigo na legislação eleitoral que trata do "caixa dois".
E completou:
Para mim, essa matéria está tão clara, que se não o fosse não haveria necessidade de um projeto de lei do Ministério da Justiça, justamente com o objetivo de cindir esta linha.
A Justiça Eleitoral possui expertise e capilaridade que a permite analisar e julgar, de forma célere, ações de investigação judiciais eleitorais para apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político, que possam importar no reconhecimento da prática de crime eleitoral; cabendo a ela a competência para a apuração da responsabilidade penal pelo cometimento de crime eleitoral, mesmo quando cometido por policiais e bombeiros militares em campanha.
Flávio Milhomem é Promotor de Justiça do MPDFT há 25 anos, atuando na 3ª Promotoria de Justiça Militar do Distrito Federal.