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Jorge Cesar de Assis

A PEC 07, de 2024, e a alteração das competências da Justiça Militar da União e da Justiça Militar Estadual

A PEC 07, de 2024[1], altera o CAPÍTULO III da Constituição Federal, que trata do PODER JUDICIÁRIO, e a proposta de alteração se inicia pelo art. 92[2], incluindo um inciso II-B, para prever acertadamente o Superior Tribunal Militar - STM dentro da estrutura do Poder Judiciário brasileiro, colocando-o, então, ao lado do STF, CNJ, STJ e TST. Já no inciso VI do art.92, é dada uma nova redação, incluindo os Conselhos de Justiça ao lado dos Tribunais e Juízes Militares, mas perdendo a oportunidade de aperfeiçoar a redação constitucional, isso porque se os Conselhos são órgãos da Justiça Militar, os chamados “juízes militares” não o são. A crítica que fazemos ao termo “juízes militares” é antiga, já dissemos alhures que eles compõem o Conselho de Justiça junto com o magistrado togado, mas os juízes militares investem-se na função (e não no cargo) após terem sido sorteados dentre a lista de oficiais apresentados, nos termos dos artigos 19 e 23 da Lei 8.457/92. São juízes de fato, não gozando das prerrogativas afetas aos magistrados de carreira. De se ressaltar, ainda, que os oficiais são juízes militares estando reunido o Conselho, que é efetivamente o órgão jurisdicional. Isoladamente, fora das reuniões do Conselho de Justiça, os oficiais que atuam naquela Auditoria, não serão mais juízes, submetendo-se aos regulamentos e normas militares que a vida de caserna lhes impõe[3].


Ficaria mais consentâneo com a realidade – e com a própria organização judiciária específica, que a alteração proposta para o inciso VI do art. 92 consignasse “– os Tribunais, Conselhos de Justiça e os Juízes Federais da Justiça Militar.


A PEC 07 dá, também nova redação ao art.109, inciso I, que trata da competência dos juízes federais, reafirmando serem as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho, mas ressalvando igualmente a Justiça Militar. E, no inciso VIII, reafirmando a competência do juiz federal em processar e julgar os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais e, da Justiça Militar;


Em relação aos órgãos que compõem a Justiça Militar, a PEC dá nova redação ao inciso II do art. 122 da CF[4], mantendo apenas a referência aos Tribunais Militares, instituídos por lei (exclui a referência aos juízes militares que passam para o inciso VI do art. 92), e incluindo um inciso III contendo a referência aos Conselhos de Justiça e aos Juízes Federais da Justiça Militar, denominação correta aos magistrados togados que não foi seguida pela nova redação proposta para o inciso VI do art. 92 da Constituição.


Já no art. 124, tratando da competência, há a proposição de nova redação, asseverando que compete aos Conselhos de Justiça Militar, sob a presidência de juiz federal da Justiça Militar, processar e julgar os crimes militares definidos em lei, ressalvado o disposto no art. 124-A, I. A presidência do Conselho de Justiça já havia sido deferida ao magistrado togado pela lei 13.744/2018 (que alterou a redação do art. 30 e incluiu o inciso I-A da Lei de Organização Judiciária da Justiça Militar da União), corrigindo, assim, uma distorção em relação à Justiça Militar Estadual trazida a lume pela EC 45/2004.


O novel art. 124-A, proposto pela PEC, prevê competir aos juízes federais da Justiça Militar processar e julgar, monocraticamente: I – processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar) e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo[5]; II – as ações contra atos disciplinares militares, ressalvado o disposto no art. 105, I, “b” e “c”; III – as ações em matéria administrativa militar em que a União figure na condição de autora, ré, assistente ou oponente, exceto questões exclusivamente remuneratórias.”


Neste ponto, a PEC 07 não resolve uma diferença sensível que permanece com relação à figura do dos civis: é que o magistrado togado da Justiça Militar da União processa e julga os civis autores de crime militar, enquanto o magistrado da Justiça Militar Estadual processa e julga os crimes militares praticados contra civis (civil vítima), à exceção, é claro, dos crimes dolosos contra a vida, cuja competência é do Tribunal do Júri. Os casos de crimes militares em que civis sejam vítimas deveriam ser julgados de forma monocrática pelo Juiz Federal da Justiça Militar, e não pelos Conselhos de Justiça, cuja finalidade principal é a de trazer para o seio da Justiça a idiossincrasia do ambiente castrense, v.g., uma lesão corporal praticada por militares estaduais contra civil será julgada na Justiça Militar Estadual pelo Juiz de Direito enquanto que na Justiça Militar da União, o mesmo crime (e até mesmo homicídio doloso) praticado por integrantes das Forças Armadas contra civil será julgado pelo Conselho de Justiça.


Em relação ao novel inciso II – ações contra atos disciplinares militares, a PEC estabelece uma justa similitude com o que já existe na Justiça Militar Estadual, onde tal competência foi conferida de forma ampla ao Juiz de Direito do Juízo Militar por ocasião da EC 45, de 2004, com a ressalva como foi feita ao magistrado federal, com relação ao disposto no art. 105, I, “b” e “c”, que nos pareceu de todo desnecessária, visto tratar-se de competência originária do Superior Tribunal de Justiça estabelecida em razão da dignidade dos cargos ocupados pelas autoridades ali relacionadas.


Vale anotar que a PEC 07 inclui um inciso III no novel art. 124-A, que é a competência em matéria administrativa militar em que a União figure na condição de autora, ré, assistente ou oponente, exceto questões exclusivamente remuneratórias. Essa matéria compreenderia, dentre outras, as questões atinentes à promoção dos militares, transferência de local de trabalho, acidente de serviço, transferência para a inatividade, licenciamento, demissão e exclusão de militares, cursos e estágios para militares, e até concursos públicos de admissão para as instituições militares. Tal proposição em princípio nos causa surpresa já que não se trata de tutela dos valores que são caros à instituição militar como ocorre em relação ao direito penal e direito disciplinar militares, mas ainda é cedo para firmar um entendimento definitivo.


A PEC 07 também se propõe a alterar a Justiça Militar Estadual e promove alterações no art. 125 da Carta Magna.


Foi proposta nova redação ao § 3º do art. 125, asseverando que a Justiça Militar estadual será constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito do juízo militar e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo Tribunal de Justiça ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.  A alteração está calcada na expressão “será constituída”, em substituição à expressão “a lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça”, alvo inclusive de controvérsia em relação àqueles tribunais de justiça militar que preexistiam à Carta Magna de 1988 e que obviamente não necessitariam ser criados, muito menos recriados. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já declarou que as normas da Carta Magna, que regulam a Justiça Militar estadual têm natureza cogente, e adequação que se faz é sempre de acordo com a Lei Maior (ADI 4360[6]).


A nova redação proposta ao § 4º assevera  competir à Justiça Militar estadual processar e julgar: I – os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei e as ações contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil; II – as ações em matéria administrativa militar, exceto questões exclusivamente remuneratórias (igualando a competência dada à JMU) e; III – as ações específicas instauradas perante o tribunal competente, inclusive nos casos de sentença penal condenatória proferida pela justiça comum, sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.


A previsão do novel inciso III, em que pese de confusa redação parece adequar a previsão constitucional ao julgamento pelo STF, do Tema 1200 da Repercussão Geral[7].


Por fim, o novel § 5º assevera competir aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, monocraticamente, os crimes militares cometidos contra civis, as ações judiciais contra atos disciplinares militares e as ações em matéria administrativa militar, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.


Concluindo, a PEC 07/2024 tem mais pontos positivos que negativos, todavia se espera que ela efetivamente tramite e assim chegue a bom termo. Se lembrarmos da finada PEC 358, de 2005 – que fazia parte da chamada Reforma do Judiciário abrangendo inclusive a Justiça Militar da União -, não como olvidar que ela perambulou 17 anos pelo Congresso Nacional até ser arquivada em definitivo no dia 09.11.2022 sem cumprir sua missão.

 

Jorge Cesar de Assis é Advogado inscrito na OAB-PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da Reserva Não Remunerada da Polícia Militar do Paraná. Sócio Fundador da Associação Internacional das Justiças Militares – AIJM. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar e da Academia de Letras dos Militares Estaduais do Paraná – ALMEPAR. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá. Administrador do site JUS MILITARIS - www.jusmilitaris.com.br.


NOTAS


[1] Apresentada em 14 de março de 2024. Em 18 seguinte, se encontrava na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aguardando definição de relatoria.

[2] Redação atual: Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça; II - o Superior Tribunal de Justiça; II-A - o Tribunal Superior do Trabalho; III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho; V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI - os Tribunais e Juízes Militares; VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. § 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal. § 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território nacional.             

[3] ASSIS, Jorge Cesar de. Direito Militar – aspectos penais, processuais penais e administrativos, 4ª edição revista e atualizada, Curitiba: Juruá, 2021, p.244

[4] Redação atual: Art. 122. São órgãos da Justiça Militar: I - o Superior Tribunal Militar; II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.

[5] A previsão está constitucionalizando um dispositivo legal já existente no CPM.

[6] STF, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.360/RS, Relator Min. EDSON FACHIN, unânime, Sessão Virtual de 24.11.2023 a 1.12.2023.

[7] O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, apreciando o tema 1.200 da repercussão geral, conheceu do agravo e negou provimento ao recurso extraordinário. Foram fixadas as seguintes teses: "1) A perda da graduação da praça pode ser declarada como efeito secundário da sentença condenatória pela prática de crime militar ou comum, nos termos do art. 102 do Código Penal Militar e do art. 92, I, "b", do Código Penal, respectivamente. 2) Nos termos do artigo 125, § 4º, da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir, em processo autônomo decorrente de representação do Ministério Público, sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele cometido". Tudo nos termos do voto do Relator Min. Alexandre de Moraes. ARE 1320.774, julgado pelo Plenário, em Sessão Virtual de 16.6.2023 a 23.6.2023.

 

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