- na garantia da lei e da ordem
Notícia veiculada na internet dá conta de que o ex–deputado federal Roberto Jefferson, acionou o Superior Tribunal Militar (STM) para que o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, sejam condenados por omissão e prevaricação caso não mandem as Forças Armadas agirem contra o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF), em uma pretensa garantia da lei e da ordem.
Em queixa-crime protocolada na Justiça Militar[1], o referido cidadão (advogado e presidente de honra do Partido Trabalhista Brasileiro -PTB) cita o artigo 142 da Constituição Federal – que tem sido usado por bolsonaristas para justificar uma intervenção militar – e acusa o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de prender ilegalmente diversos brasileiros.
Segundo o que se apurou das notícias veiculadas, foi requerida ao Superior Tribunal Militar, a imediata imputação aos requeridos (Presidente da República e Ministro da Defesa), de advertência por parte do STM, para que ocorra a imediata aplicação do disposto no art. 142 da Constituição da República Federativa do Brasil, na manutenção da ordem legal, exercendo as forças armadas em seus respectivos dirigentes o dever de polícia dos poderes do qual lhe impõe a Constituição da República Federativa do Brasil vigente, sob pena de não o fazendo, incorrer em tipo Penal do art. 319 do CPM[2].
Ponderou o ex-deputado Jefferson, todavia, não querer, com a presente iniciativa, uma “ruptura com o regime democrático, com o fechamento das instituições como se deu no passado, no Ato institucional nº 05, mas, a devida imposição de dever de polícia dos poderes das Forças Armadas, diante de magistrado da Corte Suprema maculando todo ordenamento jurídico nacional, com o silêncio, omissão, prevaricação, conjuntamente do Senado Federal.
Passada a inicial sensação de incredulidade com o que foi noticiado, é possível fazer algumas considerações.
A primeira delas é a de que foi imputada às autoridades requeridas a prática do crime militar de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal Militar e aí já reside o considerável equívoco inicial pois para a consumação do crime mencionado se exige que o agente viole um ato funcional de seu ofício. Ora, o ato é de ofício, derivado do latim ex officio, quando ele foi executado em virtude do cargo ocupado, e não existe mandamento legal ou constitucional que assegure ao Presidente da República ou ao Ministro da Defesa competência para determinar às Forças Armadas intervir no Supremo Tribunal Federal. Aliás, sobre o papel das Forças Armadas e a impossibilidade de “intervenção militar constitucional” já nos manifestamos alhures (Minuto do Direito Militar: Forças Armadas - Natureza e destinação. - YouTube).
Assim, se considerarmos que o art. 85 da Constituição Federal prevê que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação, a tutela pretendida já nasceu eivada da impossibilidade jurídica do pedido[3] impossibilitando seu deferimento, na medida em que a possibilidade jurídica do pedido exige que a pretensão do autor deve ser legal, ou seja, não deve ser vedada pelo ordenamento jurídico nacional como a intervenção armada de um Poder sobre outro. A impetração, portanto, beira a litigância de má-fé (CPC/2015, art. 80, inciso I).
A segunda consideração que se faz é sobre qual seria o órgão competente para analisar o esdrúxulo pedido do ex-deputado Roberto Jefferson. A toda evidência que partimos do entendimento de que se trata de mera representação de eventual notícia crime, já que inexistem dados suficientes para que ao fato seja dada a dignidade de uma ação penal privada subsidiária da pública.
Pois bem, concentrando-se na figura do Presidente da República, constata-se que a representação dirigida ao STM imputa ao requerido a prática do crime de prevaricação, figura prevista, coincidentemente, tanto no art. 319, tanto do Código Penal Militar como do Código Penal comum.
Ora, nos crimes de responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado, a competência é do Senado Federal, a Câmara dos Deputados inicia o processo, admitindo a acusação (CF, art. 51, I), enquanto o Senado Federal, irá funcionar como tribunal de julgamento (CF, art. 52, I e parágrafo único). Os crimes políticos do Presidente da República estão enumerados no art. 85 da Constituição Federal[4], mas essa enumeração do art. 85 não é exaustiva, mas, sim, meramente exemplificativa, podendo outras condutas ser enquadradas na definição de crime de responsabilidade, desde que previstos na Lei 1.079, de 10 de abril de 1.950[5], em especial no seu art. 4º, II[6] e 6º[7].
Já nos crimes comuns (e neles se incluem os crimes militares), a competência para julgar o Presidente da República é do Supremo Tribunal Federal (CF, 102, I).
Fácil de concluir, então, que o Superior Tribunal Militar não tem competência para processar e julgar o Presidente da República e seus Ministros, e, muito menos de adverti-los da possibilidade de eventual “prevaricação” caso não determinem que as Forças Armadas intervenham no Supremo Tribunal Federal.
A tutela pretendida, por si só, não tem possibilidade jurídica de ser atendida!
Jorge Cesar de Assis é advogado inscrito na OAB-PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da reserva não remunerada da Polícia Militar do Paraná. Sócio -Fundador da Associação Internacional de Justiças Militares. Membro correspondente da Academia Mineira de Direito Militar e da Academia de Letras dos Militares Estaduais do Paraná - ALMEPAR. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá. Administrador do site www.jusmilitaris.com.br
NOTAS
[1] STM, nº do Processo: 7000638-52.2022.7.00.0000 (sigiloso), autuado em 16/09/2022 como representação criminal/notícia de crime, relatora Ministra Maria Elizabeth.
[2] CPM, art. 319: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
[3] Na vigência do revogado CPC/1973, o processo era extinto, sem resolução do mérito quando, quando não concorresse qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.
[4] Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
[5] Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.
[6] Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: I (...); II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados.
[7] Art. 6º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados: 1 - tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras; 2 - usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagí-lo no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção; 3 - violar as imunidades asseguradas aos membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas dos Estados, da Câmara dos Vereadores do Distrito Federal e das Câmaras Municipais; 4 - permitir que força estrangeira transite pelo território do país ou nele permaneça quando a isso se oponha o Congresso Nacional; 5 - opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças; 6 - usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício; 7 - praticar contra os poderes estaduais ou municipais ato definido como crime neste artigo; 8 - intervir em negócios peculiares aos Estados ou aos Municípios com desobediência às normas constitucionais.
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