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Adriano Alves-Marreiros

Vai ter júri na Justiça Militar: SIM!!! Ou melhor: talvez...

Se avexe não

Amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada

Flávio José (A Natureza das Coisas)


Já tinha me manifestado algumas vezes sobre não ter sido criado júri na justiça militar[1], todas as vezes que alguém viu motivo para isso: como quem crê real uma miragem. Não que eu não achasse a miragem agradável, apaixonante, sedutora, mas eu sabia que aquilo não existia e ficava obrigado a repetir as palavras do saudoso padre Quevedo: ”Isso non eczyste!”.


Mas, às vezes, o legislador pode atirar no que vê e acertar no que não vê. E a Lei 13.774, quando alterou a competência do juiz togado na Justiça Militar da União, pode ter acabado por determinar que haja júri, mesmo sem ter pretensão: como admitir o julgamento monocrático de crimes dolosos contra a vida? Sim, porque os crimes praticados por civil ou em concurso de civil com militar passariam a ser de competência do Juiz Federal da Justiça Militar se a Lei fosse colocada acima da Constituição, ou, ao menos, esquecendo-se dela, coisa que não deve ocorrer.


Recentemente, houve pedido do Promotor de Justiça Militar Mário Porto no sentido de que os crimes dolosos contra a vida praticados por civis não poderiam ser julgados monocraticamente e manifestando-se pela necessidade de júri. Ele lembrou que não existe julgamento monocrático de crime doloso contra a vida nem na Justiça estadual nem na federal e que o júri nesses casos seria direito e garantia fundamental previsto no art. 5º, XXXVIII da Constituição.


Em artigo que está publicado na Revista do MPM n. 29, Vladimir Aras[2] lembrou que a questão do júri na Justiça Militar diante do artigo 5º, XXXVIII fora enfrentada pelo STF em 1990, levantada, pela primeira vez, pelo Subprocurador-Geral da república Fontelles, que ainda não fora Procurador-Geral da República. Ele o fez em parecer no RE 122.706/RJ. Naquela ocasião, como narra Aras, o STF entendeu que “A Justiça Militar não comporta a inclusão, na sua estrutura, de um júri, para o fim de julgar os crimes dolosos contra a vida. C.F./67 art. 127; art. 153, par-18. C.F./88, art. 5., XXXVIII; art.124, parag. único. III. RE não conhecido”.


Se formos além da ementa, o que é recomendável em todos os casos, e formos verificar os argumentos utilizados, conseguiremos entender melhor os motivos. Notamos, por exemplo, uma tendência de se entender que “A Justiça Militar reclama, por definição, a presença de militares nos seus órgãos judicantes e dela não prescinde”. Também acho difícil compreender JM com órgão judicante civil. Parece mais uma caminho para extingui-la que para mantê-la. Mas o fato é que a lei mudou isso. Não vamos analisar a constitucionalidade da mudança como um todo. Vamos, ao menos neste artigo, ad argumentandum tantum, entender que a mudança, na maioria de seus aspectos pode ser feita e manter nosso questionamento apenas contra o julgamento monocrático de crimes dolosos contra a vida. Nesse argumento do acórdão, nota-se que se trabalha com a idéia de a Justiça Militar ser formada por órgão colegiados julgadores.


Seguindo mais, consta no acórdão que a CF só definiu a participação de militares no STM, não especificando nos conselhos. Mas imediatamente se afirma: “Mas a Constituição não precisa dizer tudo. Quando alude a uma instituição pré-existente, não para aboli-la ou alterá-la, mas para mantê-la, pressupõe que ela continue a existir com seus traços substanciais”. Neste trecho, nota-se que o STF entende que o escabinado julgando crimes dolosos contra a vida foi recepcionado como traço substancial do artigo 124 e , por isso, não sendo revogado pelo artigo 5º, XXXVIII. Sendo assim, o julgamento de crime doloso contra a vida ganha status de norma constitucional, foi recepcionado como tal: e já poderíamos concluir pela inconstitucionalidade de mudar isso por meio de lei ordinária.[3]


Essa essência se confirma mais à frente quando se afirma que:


A Justiça Militar só existe para que dos seus julgamentos participem militares, sem o que se perde a sua razão de ser. Se fosse possível confiá-los à sentença singular do juiz togado, o auditor, não se teria mais justiça militar, mas a repetição ociosa a Justiça federal Ordinária.


Cada vez mais vamos chegando a uma encruzilhada onde só há dois caminhos: ou a mudança feita é toda inconstitucional e prevalece o que havia antes ou admitimos o júri na Justiça Militar quando houver réus civis. Mas prossigamos...


Instituir como tribunal de justiça militar um colegiado de que não participassem militares (CPP art. 436, VIII), mas paisanos do povo,presididos por um civil togado, seria implantar, no corpo daquele ramo judiciário especial, um órgão estranho, que lhe nega a essência, pela ablação de seu elemento conceitual de identidade.


Mais uma vez somos levados a concluir que, ou aceitamos que o escabinado foi constitucionalizado (recepcionado por parte do 124) conforme dito acima, ou aceitamos que o júri deve prevalecer.


Do acórdão ainda consta que não se pode concluir que, por não haver júri na justiça militar, não poderia haver crime militar doloso contra a vida. Entendimento lógico de refuta de plano aquelas grandes confusão entre competência da justiça militar e natureza de crime militar tão comuns...


Assim sendo, fica difícil nos afastar dessas duas hipóteses e terminaremos analisando cada uma. Primeiro, é importante falar da forma de interpretação constitucional feita pelo STF de então. Não se vê ativismo judicial, não se nega vigência a artigos da constituição, os argumentos são todos lógicos e sem delírios ectoplásmicos[4] vendo princípios, normas e “dead people” [5]onde elas não existem. A interpretação feita em tal decisão é realmente uma interpretação que se pode deduzir da CF e da qual se destaca, em especial, o momento em que se argumenta – “Mas a Constituição não precisa dizer tudo. Quando alude a uma instituição pré-existente, não para aboli-la ou alterá-la, mas para mantê-la, pressupõe que ela continue a existir com seus traços substanciais” – e é especial esse trecho porque ele mostra o que se faz com tantos outros institutos e instituições pré-existentes e que não foram redefinidos com a nova Constituição. Quando se fala em direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, não há necessidade de redefini-los. Inclusive já entendemos, em artigo publicado na revista Direito Militar[6], que seus conceitos são cláusulas pétreas ou estaria permitido mudar o significado das palavras para afastar, na prática, cláusula pétrea. Isso é completamente diferente de afastar a garantia da legalidade para se criar tipo penal ou de se negar direitos prerrogativas constitucionais impondo condições inexistentes e que desvirtuam a essência do dispositivo constitucional.


Diante de todas as razões elencadas e explicadas acima, o mais correto seria concluir que a competência monocrática para julgamentos, criada pela Lei 13.774, seria inconstitucional e que todos os crimes militares dolosos contra a vida seriam de competência do escabinado (sendo que os que não se enquadram no segundo parágrafo do artigo 9º , que faz exceção ao primeiro, não são crimes militares, como já explicamos antes[7].


Mas o fato é que estamos no Brasil e, por vezes, temos que nos contentar com uma parte do que deveria ser. Assim sendo, dou como provável, beirando a certeza, que essa competência monocrática não será dada como inconstitucional pelos mesmo motivos políticos que a determinaram: ceder a quem criticava a Justiça Militar por julgar civis. E sendo assim, devo concluir que a solução mais correta, se isso acontecer, é concluir pela necessidade de júri na Justiça Militar da União e, se a mudança se destina a civil não ser julgado por militar, por um júri de civis, constituído exatamente como na Lei processual penal comum, isto é, suprindo-se a lacuna da falta de previsão de júri por meio do artigo 3º, “a” do CPPM.


Como Bacon disse que a dúvida é que leva às certezas, esperemos que esta solucione um problema bem maior que qualquer uma das duas opções e que, no Brasil , tem grande chances de dar em prescrição com a competência sendo repentinamente mudada, após ser mantida por 3, 5, 7 anos, sei lá e anulando-se o processo...




Adriano Alves-Marreiros é Promotor de Justiça Militar, Mestre em Direito, com especialização em Direito Penal Militar e Processo Penal Militar e autor da obra Hierarquia e Disciplina são Garantias Constitucionais e coautor da obra Direito Penal Militar-Teoria Crítica & Prática.


Crux Sacra Sit Mihi Lux / Non Draco Sit Mihi Dux Vade Retro Satana / Nunquam Suade Mihi Vana Sunt Mala Quae Libas / Ipse Venena Bibas

(Oração de São Bento cuja proteção eu suplico)



NOTAS

[1] < https://mpmportoalegre.wordpress.com/2017/12/06/quatro-artigos-que-explicam-a-mudanca-no-codigo-penal-militar-lei-13491-e-o-novo-conceito-de-crime-militar/ > [2] < https://revista.mpm.mp.br/artigo/artigos-tematicos-as-novas-competencias-da-justica-militar-apos-a-lei-13-491-2017/ > [3] Aliás, a mudança de competência toda parece ser inconstitucional. [4] Ectoplasma é a matéria de que são feitos os fantasmas, segundo o filme “Os Caça-Fantasmas”. Este uso do termo vem de “elementares ectoplásmicas” que são aquelas elementares não escritas, nem dedutíveis mas que alguns doutrinadores, pareceristas e julgadores exigem para que se confirme que um crime se configurou: como o ânimo calmo em ameaça, o que explicamos na obra Direito Penal Militar-teoria Crítica & Prática. [5] “I see dead people”frase famosa do filme “O Sexto Sentido”. Mas no filme, ele realmente via... [6] Conceito de direito adquirido: cláusula pétrea infraconstitucional. Revista Direito Militar, Florianópolis, v. 4, n. 22, p. 23-24, mar./abr. 2000. [7] Lei 13.774/2018, Conselhos e juízo monocrático na Justiça Militar da União: Uma análise visando a evitar que a música se torne ruído... ou pior: silêncio... Observatório da Justiça Militar.

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